domingo, 23 de setembro de 2007

Tropa de Elite ou Tropa da elite?

Os comentários que tenho lido e, especialmente, ouvido a respeito do filme Tropa de Elite, de José Padilha, me levam a crer que seu título correto deveria ser Tropa da elite, aquela elite branca tão bem definida pelo ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo.

Ontem, em sua coluna no Globo, o jornalista Arnaldo Bloch escreveu que “ao optar pelo capitão Nascimento como narrador do filme, Padilha assumiu, de maneira sistemática, acrítica e quase pedagógica – e justificou para a média reacionária da sofrida sociedade espectadora – o discurso e o ponto de vista do que há de pior na corporação, o discurso da pseudo-razão enlouquecida dentro da loucura institucional, o discurso do ‘não há saída, tem mesmo é que matar’”.

E ao final, quando o aspirante Matias se transformou num “policial de verdade” (leia-se: quando abandona seus princípios e aceita a tortura a crianças como método válido para seus nobres fins de vingança contra el capo) uma ovação aliviada consagrou “Tropa de elite” como porta-voz de nossas inquietações. E dá-lhe “caveira”!

Pelo visto, o filme vai fazer sucesso entre os que acham que a solução para a insegurança pública é uma polícia mais dura, mais atuante, mais firme (eufemismos para violenta, torturadora, assassina). São aqueles que defendem que essa polícia violenta seja utilizada inclusive contra os menores, como no filme.

Dados do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Degase), que cuida dos menores infratores no Rio de Janeiro, mostram que 70% dos adolescentes atendidos vêm de famílias com renda familiar mensal de menos de um salário mínimo. Mais 15% de até dois salários.

80% deles têm o ensino fundamental incompleto. 5% deles são analfabetos.

85% são negros (43%) e pardos (42%). Os brancos são 15%.

81% não estudavam, e apenas 20% trabalhavam (17% no mercado informal), quando foram presos. A maioria, subnutrida ou desnutrida.

Esse é o perfil do jovem infrator, pelos dados do estado do Rio de Janeiro. O que lhes deve ser oferecido é tortura, bala perdida e Tropa da elite?

Se o uso da força resolvesse todos os conflitos, os Estados Unidos não teriam saído correndo do Vietnam, nem estariam agora à procura de uma saída menos desastrosa do Iraque.

Por isso, não importa o trabalho dos atores ou a qualidade da criação cinematográfica. Quando um filme glamouriza a tortura, ele é indefensável, asqueroso, nocivo. A tortura é uma ignomínia. Pior ainda quando praticada pelo Estado ou seus agentes, que aí estão, exatamente, para não permitir que a barbárie (atenção, dondocas, não é Barbie, é barbárie) impere.

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8 comentários:

  1. Você leu o livro? Pelos comentários que tenho lido, a impressão que tenho é que o filme foi baseado na primeira parte do livro, que é uma descrição dos métodos do Bope - e não teve muita influência da segunda parte, onde a realidade da segurança pública do Rio é exposta.

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  2. Anônimo23.9.07

    Vi o filme. Achei-o excelente. Não porque há a tortura de adolescentes (que trabalham para o tráfico) - esse é só um dos lados mostrado pelo filme - mas porque mostra explícitamente a corrupção na instituição policial; como a política participa de tal empreitada; bem como a posição cômoda, arrogante e hipócrita de viciados da classe média, que, ao mesmo tempo que alimentam o tráfico (inclusive na universidade), participam de passeatas pela paz. O filme é muito bem feito, embora extremamente violento. Mas é uma realidade bem retratada.

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  3. Mello, gosto muito do seu Blog, é um oásis de realidade e lucidez no deserto da internet... mas gostaria de chamar a atenção para o uso do termo "menor" para denominar os adolescentes e as crianças. É um termo que "diminui", cria um subclasse de seres humanos, que seriam "menores" que os outros...
    Não precisa publicar isto, é uma mensagem para o autor do blog... grande abraço...

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  4. Anônimo23.9.07

    Mello!

    Não vi o filme e não li o livro.
    Não suporto mais sofrer.
    Assistir aquilo que estou prá lá de consciente, nem pensar.
    Basta o cotidiano.
    Dá uma angústia imensa...tamanha violência.
    A natureza humana é o retrato cruel da não-evolução.
    Como sempre: tua análise foi maravilhosa e reflexiva.
    Obrigada!

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  5. Anônimo23.9.07

    Não vi o filme, mas ainda assim, o texto é muito bom e mostra como é o discurso fácil de quem mora em condomínios.

    Se apolícia fizesse isso (torturado, matado) com os platboys que surraram a empregada, os com os que quimaram o pataxó em Brasília, estariam demitidos. Aliás, estariam presos.

    Não se justificam essas ações da polícia, como a do Complexo do Alemão

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  6. Anônimo23.9.07

    Concordo que os "métodos" policiais devem ser objeto de discussão, mas seria de grande relevância mencionar que o filme expõe quem sustenta o tráfico que cresce ante a omissão do poder público financiado pelos filhos da classe média, os mesmos que fazem protestos quando são atingidos, mas ignoram o que seus filhos fazem.

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  7. Anônimo27.9.07

    Mello,

    Não creio que mostrar a "opinião" de um personagem seja tratado como apologia.

    Ora, muitos policiais nas PM's do Brasil pensam assim e nós temos o direito, mesmo que na ficção, de ouvir todas as correntes de pensamento.

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  8. Olá,
    Vi o filme e não achei que faz apologia da tortura e da violência, acho que a "platéia" o entendeu assim, porque assim o quer. O máximo que se pode dizer do filme é que é "realista" e, ok, já é uma baita crítica, mas acredito que está havendo muito barulho por nada. Abs

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