Estão querendo transformar os mortos em culpados pela tragédia da boate Kiss em Santa Maria.

Não sei se você que me lê recebeu alguns desses e-mails que estão correndo a rede e tratam da tragédia que na madrugada de sábado para domingo matou até o momento 235 pessoas e feriu mais de cem, várias delas em estado grave.

O que me espantou e me trouxe a esta postagem foi um deles, que teria sido escrito por um jovem de 19 anos - o que me pareceu ainda mais absurdo. Não vou revelar o nome dele, e reproduzo a seguir o teor da mensagem, que veio com o seguinte texto no assunto (subject): "Deu merda. Muita merda!".


BAGUNÇA

Quando eu digo que a universidade virou espaço de culto à bagunça, à vida desregrada e à irresponsabilidade, completamente desvirtuada de seus valores originais, dizem que sou cricri e antissocial, que sou chato e amargo. Mas deu merda. Alguém foi irresponsável e deu merda. Várias pessoas foram irresponsáveis e deu merda, muita merda. Teto de espuma, falta de sinalização, extintores mal inspecionados e não funcionando. Luzes de emergência que não funcionaram. Gente drogada e alcoolizada que não pôde reagir. Alguém disparando um sinalizador num ambiente fechado. Uma irresponsabilidade atrás da outra em nome de "curtir a vida" e "aproveitar a melhor fase da vida". E não me venham com "ah, mas foi um caso isolado, nem todos os lugares são assim". Bobagem. Essas duas frases resumem a concepção atual que, estimo, no mínimo metade dos jovens têm sobre a universidade: é o lugar de beber, de conhecer drogas, de “pegar” todo mundo, de ir a festas de arromba. Construir o conhecimento é bobagem, prestar serviço à humanidade através do saber é bobagem: o importante são as fotos no Facebook, as histórias para contar, o carpe diem moderno e o diploma fuleiro ao final do curso. A palavra de ordem é curtir. Curtiram. Curtiram 234 corpos queimados frutos não deste ou daquele erro de fulano ou ciclano, mas de um comportamento e um valor difundido entre os jovens. Não sou conservador. Não acho que aproveitar a vida faça mal. Não há problema nenhum em fazer uma festa ou gostar de uma balada. Mas é um problema quando a responsabilidade é posta de lado em nome de um estilo de vida. O problema é quando este é o único objetivo, o norte que direciona toda uma vida. O problema é quando vivem em função da sexta-feira-à-noite e todo o resto perde o sentido. E é assim que, como eu vejo, muitos têm vivido. E pior ainda é quando tudo isso é defendido e divulgado pela mídia e pela sociedade. Eu aposto que boa parte dos sobreviventes vão estar em outra festa, muito parecida com essa, para comemorar a sobrevivência. E vão achar o máximo e suas famílias vão apoiar isso. E isso, meus caros, é de matar. Novamente: a causa real deste incêndio é um comportamento defendido por muitos. Ninguém ali pensou em sua própria segurança. Ninguém pensou no que poderia acontecer quando se reunissem tantas pessoas em um ambiente tão fora de controle. Mais de 2 mil pessoas, a maioria alterada devido ao álcool ou às drogas, em transe por conta da música, no mesmo espaço. Desta vez não deu certo.

Será que esse jovem (?) não leu que a culpa do acidente nada teve a ver com o comportamento dos mortos, mas dos vivos e muito vivos, que fizeram e deixaram funcionar uma arapuca?

Será que se esses jovens fossem religiosos, tementes a deus, caretas até a medula, numa festa religiosa comemorando por exemplo o evento mundial da igreja católica que acontecerá este ano no Rio, e o incêndio começasse do mesmo modo, todos se safariam?

O comportamento dos jovens não teve nada a ver com a tragédia. Estavam ali para se divertir, e poderiam ser coroas como eu - porque, sim, os coroas também se divertem. E morreríamos do mesmo jeito. Assim como morreriam intoxicados pela fumaça tóxica os religiosos do evento suposto.

A acusação, a culpabilização das vítimas, é muito semelhante àquela feita às mulheres estupradas: porque eram lindas, usavam roupas provocantes, passaram por uma rua perigosa, estavam em lugar ermo, era madrugada etc.

Quer dizer que as mulheres têm que ser feias, não podem usar a roupa que quiserem nem frequentar ou passear por onde desejarem, porque se forem estupradas a culpa será delas?

Todos temos direito de curtir a vida (embora isso parece uma coisa horrorosa para o autor da mensagem), com segurança. Passear, brincar, dançar, ir a shows com amigos, namoradas. Se não há segurança, se - como diz o subject do e-mail, der merda, muita merda! - temos que procurar os culpados lá do lado criminoso e não do lado das vítimas.

Mais uma vez, minha solidariedade aos amigos e familiares das vítimas de Santa Maria. Que vocês não deixem de curtir  a vida por causa desse terrível acontecimento. Cobremos punição para os responsáveis, e depois, passado o luto, quando der aquela vontade, divirtam-se, curtam a vida, carpe diem, enquanto outros preferem morrer de tédio.

Pesquisa Ibope que mostra desencanto com partidos é palhaçada que nenhum pesquisador sério assinaria

Que importância teria uma pesquisa que quisesse saber a opinião da população sobre a segurança das viagens marítimas, se fosse feita nos dias imediatamente posteriores ao naufrágio do Titanic?

E uma outra, se o Brasil deveria ou não adotar a pena de morte, feita imediatamente após casos que chocaram a opinião pública, como o assassinato de Daniela Perez, o do menino João etc?

A mesma pergunta vale para essa pesquisa contratada pelo Estadão ao Ibope, que revelou que "56% dos brasileiros afirmaram no final de 2012 não possuir preferência por nenhuma legenda política - eram 38% em 1988". Só que a pesquisa foi feita em outubro do ano passado, no auge do julgamento do mensalão...

Qual pesquisador sértio endossaria qualquer dessas pesquisas? É evidente que a comoção causada pelos fatos (Titanic, assassinatos cruéis e covardes, julgamento com altíssima repercussão na mídia) invalida qualquer dedução científica que se possa tirar dessas pesquisas.

A do Estadão, por exemplo, só se justificaria se estivesse incluída dentro de uma série de pesquisas do mesmo tipo - o que não foi o caso. A última pesquisa semelhante foi feita em março de 2010, final do segundo mandato de Lula.

O objetivo do Estadão é o mesmo da mídia corporativa brasileira: desestimular na população a participação política, desmoralizar partidos e políticos em geral, para que, ao final, possam mostrar a saída salvadora: o golpe moralizante e redentor.

Só que quebraram a cara. O PT, que em 2010, no auge de Lula, tinha 33% da preferência do brasileiro, no auge do julgamento do mensalão continuou sendo o partido preferido, com 24%.  Ou seja, mesmo com toda a campanha contra, o PT ainda é o partido de um em quatro brasileiros. Tem quatro vezes mais adeptos que o segundo colocado, PMDB - 6%. E quase cinco vezes mais que os tucanos - 5%.

Além de fabricar manchetes mentirosas (como a do processo que não houve de Gurgel contra Lula), vê-se que o Estadão patrocina também pesquisas idiotas. Não é à toa que está quebrado, segundo dizem.

Ah, se não fossem os anúncios do governo federal e da Caixa, Petrobras, BB etc. Hoje em dia sobraria apenas o governador Alckmin Pinheirinho para sustentá-lo.