Com editorial 'Página virada' Folha quer fatiar e servir a História ao modo do chef Frias

Depois do recorte "ditabranda", quando tentou categorizar e catalogar ditaduras pela quantidade de sangue jorrado e mortes registradas, o jornal da família Frias quer dobrar bem dobradinho o lenço da ditadura, colocá-lo no bolso da calça Brasil e que sigamos caminhando, porque o passado é aquela roupa que não nos serve mais.

É o que declara cinicamente em seu editorial de hoje, 12 de dezembro de 2014, "Página Virada".

Pelo recorte do chef Frias, nas décadas de 60 e 70, "na América do Sul (e em outras partes do mundo) facções de direita e de esquerda recorreram à violência, levando ao colapso do regime democrático em vários países, entre eles o Brasil" .

Quer dizer que o golpe civil-militar foi consequência de um embate violento entre facções de direita e esquerda no Brasil, e, deduz-se, também no Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia...

Por força do acaso, evidentemente, todos os golpes foram de direita (e isso é de tal modo evidente que o editorial nem se dá o trabalho de citar o detalhe).

O chef Frias amacia a carne dos comensais, com um recorte crítico aos militares, "porque desencadearam uma repressão desproporcional e abusiva".

E eu que pensava que a primeira, a mãe de todas as violências tivesse sido o golpe, que derrubou um presidente democraticamente eleito e rasgou a Constituição...

Adiante, o editorial critica torturas e assassinatos ("abjetos"), mas, no contexto, essas mãos sujas de sangue eram apenas militares, e não, também, mãos de empresários nacionais e internacionais. Entre os quais deve-se destacar Frias pai, que contribuiu com dinheiro, carros das empresas e artigos elogiosos ao ditador de plantão, como este ao chefe do período mais sanguinário, Médici.

Sobre a Lei de Anistia, o editorial falsifica vergonhosamente a História e diz que foi uma concessão dos militares, quando na verdade foi fruto de uma rendição militar negociada, pois não contavam mais com apoio interno ou externo, o regime caía de podre, com fortes dissensões internas entre os que queriam devolver o poder aos civis e a linha dura.

A Lei de Anistia foi feita para evitar que os militares pagassem pelos crimes cometidos, pois os que os combateram foram presos, torturados, condenados - muitos à morte.

Ao final, o chef Frias defende a permanência da Lei de Anistia. Diz que o passado deve ser apenas "conhecido e debatido".

E, por que não julgado?

Porque aí, num julgamento justo, com acusações e defesas debatidas diante do país, o povo tomaria conhecimento dos que moviam nos bastidores as mãos armadas dos militares. Os que cresceram e enriqueceram às custas do golpe.

Por isso temem tanto o fim da Lei de Anistia.

A seguir, a íntegra do editorial.

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Página Virada

O relatório da Comissão Nacional da Verdade não traz novidade de monta em relação a um período já esmiuçado na história recente, o da ditadura militar (1964-1985).

Numa decisão controvertida, tomada logo após sua instalação pelo governo federal, em maio de 2012, a CNV excluiu do exame as violações de direitos humanos por motivação política que não tenham sido causadas pelo Estado. O relatório silencia, assim, sobre os crimes das organizações armadas que combateram para substituir a ditadura militar por outra, de cunho comunista.

Argumentou-se, com razão, que tais delitos já haviam sido punidos pelo próprio regime militar. Prevaleceu, entre os comissários, o entendimento de que o alcance da tarefa limitava-se a inventariar as denúncias de abusos cometidos pelas autoridades à época.

Após uma fase de letargia errática, a CNV conseguiu encaminhar seu trabalho nesses termos, sobretudo depois que o advogado Pedro Dallari passou a coordená-la.

Sabe-se que as décadas de 60 e 70 foram um tempo de extrema polarização na América do Sul (e em outras partes do mundo). Facções de direita e de esquerda recorreram à violência, levando ao colapso do regime democrático em vários países, entre eles o Brasil.

Maior porção de culpa cabe aos militares, seja porque desencadearam uma repressão desproporcional e abusiva, seja porque o ônus moral, nas sociedades modernas, recai sobre os vitoriosos. A prática rotineira da tortura e do assassinato configura mancha abjeta na história desses regimes.

A anistia irrestrita, concedida pela ditadura brasileira nos seus estertores, em 1979, foi o passo decisivo para a superação pacífica dessa crônica nefanda. Foi incorporada pela emenda constitucional que convocou, em 1985 –já após o restabelecimento democrático–, o Congresso constituinte que produziu a Carta em vigor desde 1988. E foi reiterada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010.

Por mais que seus efeitos possam ser repugnantes do ângulo humanitário, sobretudo para os atingidos pela violência ditatorial, a anistia irrestrita é um dos pilares sobre os quais se apoia a democracia brasileira. Foi sua aceitação pelo conjunto das forças políticas que rompeu o ciclo de retaliações iniciado em 64.

Não é sensato nem desejável que compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, determinando que a tortura é crime imprescritível, possam sobrepor-se à soberania jurídica nacional quando se trata das próprias fundações do Estado de Direito entre nós.

A anistia deve ser preservada. O passado precisa ser conhecido e debatido. Para superá-lo de vez, falta às Forças Armadas divulgar os documentos retidos e reconhecer os abusos praticados.