Que Adão e Eva o quê! Somos todos filhos de Luca, um micróbio unicelular, ancestral de todas as criaturas vivas na Terra

Árvore da vida

Ainda dá tempo de fazer sua fantasia de Eva microbiana. Não se faz ideia de como seria esse estranho micróbio unicelular a que os cientistas deram o nome de Luca (Last Universal Common Ancestor), último ancestral comum universal, em tradução livre. Mas quem liga pra isso no Carnaval?

Na Folha de hoje, a coluna de Marcelo Gleiser, professor de Física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA), nos informa sobre a existência desse micróbio que nois liga a todas as outras criaturas vivas. Todo mundo é parente.

Nossos ancestrais eram meros micróbios 


Todas as criaturas vivas dividem o mesmo ancestral, chamado Luca

Se os vitorianos se ofenderam com a teoria da evolução de Darwin, que diz que somos descendentes de primatas, imagina se soubessem que nosso primeiro ancestral era muito mais primitivo do que isso, uma mera criatura unicelular, nada mais do que um micróbio. Sim, temos uma Eva microbial.

Hoje, sabemos que todas as criaturas vivas dividem o mesmo ancestral, chamado Luca, do inglês "Last Universal Common Ancestor", último ancestral comum universal, em tradução livre.

Difícil imaginar uma visão mais unificadora da vida: todas as criaturas vivas derivam diretamente de um ser unicelular, a raiz da complexa árvore da vida.

Se pudéssemos passar o filme da vida ao contrário, mergulhando gradativamente no passado distante, eventualmente encontraríamos esse ser peculiar na linha de partida, o protagonista individual de um drama que vem se desenrolando por aproximadamente quatro bilhões de anos.

Muito possivelmente, existiram outras criaturas vivas antes do Luca. Não sabemos exatamente quem ele era ou quando existiu. Mas biólogos especializados na vida primitiva conseguiram mapear a evolução de criaturas ancestrais em detalhe, um feito sensacional dadas as dificuldades de se encontrar fósseis de criaturas que viveram no passado muito distante.

As pistas não vêm de ossos ou de fósseis impressos em rochas. No caso da vida muito primitiva, a evidência vem do DNA, o material genético responsável pela reprodução das células.

Com isso, cientistas foram capazes de identificar o Luca como um ser unicelular do tipo procariota (um micróbio com material genético sem uma membrana protetora), que viveu em torno de três bilhões de anos atrás. O organismo deve ter sido incrivelmente resistente, capaz de sobreviver em ambientes extremamente austeros.

A árvore da vida é extremamente complexa. Se você examinar a ilustração [que ilustra a postagem], descobrirá duas coisas surpreendentes: primeiro, que humanos e todos os outros animais são a minoria absoluta, um galhinho na parte direita inferior, parte dos eucariotas, os organismos cujas células têm o material genético protegido por uma membrana. (Os eucariotas incluem os animais, plantas, fungos e protozoários.); segundo, que a maioria absoluta das criaturas vivas são bactérias.

Perto dos eucariotas você encontra as arqueias (do inglês "archaea"), seres que também são unicelulares, mas capazes de sobreviver em ambientes extremos, como perto de ventas submarinas que jorram água fervendo, ou em pântanos sem oxigênio. A evidência acumulada até agora indica que o Luca foi um tipo de arqueia.

O biólogo evolucionário William Martin, da Universidade Heinrich  Heine em Düsseldorf, na Alemanha, tentou achar sinais do Luca escondidos nos genes de bactérias e arqueias. Isso não é nada fácil, pois organismos podem trocar genes ao evoluírem, tornando difícil distinguir os genes que vieram de uma linhagem antiga daqueles que foram obtidos mais recentemente. (Pense em alguém que tem um saco de dinheiro que passa de geração em geração, mas que, de vez em quando, adiciona uma nota nova)

Para identificar DNAs antigos, o cientista buscou por genes que ocorrem em pelo menos dois tipos de bactérias e arqueias modernas. Com isso, poderia identificar os genes que foram de fato herdados de ancestrais distantes (notas velhas) e não adquiridos em uma troca recente (nota nova).

Depois de estudar 2.000 micróbios modernos, cujos genes foram sequenciados nas últimas duas décadas, o time de Martin descobriu 355 famílias de genes que aparecem frequentemente, sugerindo que têm uma origem comum.
Analisando os genes em detalhe, Martin e colaboradores concluíram que Luca era uma criatura anaeróbica (que vive sem oxigênio) e termofílica (isto é, que gosta de ambientes quentes).

Em seu artigo no jornal "Nature", escreveram: "Luca habitava um ambiente geoquímico ativo, rico em gás de hidrogênio, dióxido de carbono e ferro. Os resultados são consistentes com a teoria de que os primeiros seres vivos eram autotróficos (capazes de se alimentar de compostos químicos inorgânicos)...habitando ventas hidrotermais.

De acordo com esses resultados, o Luca era uma criatura unicelular simples, que viveu onde a água do mar encontrava o magma que jorrava do interior da Terra, em ventas hidrotermais.
Alguns cientistas criticam o achado, argumentando que a vida veio da terra firme e que apenas mais tarde migrou para ambientes submarinos para se proteger de condições austeras na superfície, como impactos de meteoros, que eram muito frequentes até 3,9 bilhões de anos atrás.

Para resolver o debate, será necessário encontrar vestígios desse tipo de vida terrestre, uma tarefa muito difícil dada a idade das rochas e as transformações que passaram no decorrer de bilhões de anos.

No momento, a evidência que temos sugere que nossa Eva ancestral era um organismo unicelular extremamente resistente, que gostava de nadar em água muito quente e de comer compostos simples.

E não poderíamos esperar menos do organismo que evoluiu para se tornar todas as outras criaturas que já existiram. Isso, sim, que é legado genético!


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