Domingo com Poesia: 'Ofertório', de Dom Pedro Casaldáliga, e Missa dos Quilombos, vídeo completo



Poema de Dom Pedro Casaldáliga, que morreu na manhã de ontem. O poema faz parte da Missa dos Quilombos, em parceria com Pedro Tierra e música de Milton Nascimento.

Logo após, o vídeo com a Missa completa encenada pela Companhia Ensaio Aberto.

OFERTÓRIO

Na cuia das mãos
trazemos o vinho e o pão,
a luta e a fé dos irmãos,
que o Corpo e o Sangue do Cristo serão.
O ouro do Milho
e não o dos Templos,
o sangue da Cana
e não dos Engenhos,
o pranto do Vinho
no sangue dos Negros,
o Pão da Partilha
dos Pobres Libertos.
Trazemos no corpo
o mel do suor,
trazemos nos olhos
a dança da vida,
trazemos na luta,
a Morte vencida.
No peito marcado
trazemos o Amor.
Na Páscoa do Filho,
a Páscoa dos filhos
recebe, Senhor.

Trazemos nos olhos,
as águas dos rios,
o brilho dos peixes,
a sombra da mata,
o orvalho da noite,
o espanto da caça,
a dança dos ventos,
a lua de prata,
trazemos nos olhos
o mundo, Senhor!

–Na palma das mãos trazemos o milho,
a cana cortada, o branco algodão,
o fumo-resgate, a pinga-refúgio,
da carne da terra moldamos os potes
que guardam a água, a flor de alecrim,
no cheiro de incenso, erguemos o fruto
do nosso trabalho, Senhor! Olorum!

O som do atabaque
marcando a cadência
dos negros batuques
nas noites imensas
da África negra,
da negra Bahia,
das Minas Gerais,
os surdos lamentos,
calados tormentos,
acolhe Olorum!

—Com a força dos braços lavramos a terra
cortamos a cana, amarga doçura
na mesa dos brancos.
— Com a força dos braços cavamos a terra,
colhemos o ouro que hoje recobre
a igreja dos brancos.
—Com a força dos braços plantamos na terra,
o negro café, perene alimento
do lucro dos brancos.
—Com a força dos braços, o grito entre os dentes,
a alma em pedaços, erguemos impérios,
fizemos a América dos filhos dos brancos!
A brasa dos ferros lavrou-nos na pele,
lavrou-nos na alma, caminhos de cruz.
Recusa Olorum o grito, as correntes
e a voz do feitor, recebe o lamento,
acolhe a revolta dos negros, Senhor!
—Trazemos no peito
os santos rosários,
rosários de penas,
rosários de fé
na vida liberta,
na paz dos quilombos
de negros e brancos
vermelhos no sangue.
A Nova Aruanda
dos filhos do Povo
acolhe, Olorum!

Recebe, Senhor
a cabeça cortada
do Negro Zumbi,
guerreiro do Povo,
irmão dos rebeldes
nascidos aqui,
do fundo das veias,
do fundo da raça,
o pranto dos negros,
acolhe Senhor!

Os pés tolerados na roda de samba,
o corpo domado nos ternos do congo,
inventam na sombra a nova cadência,
rompendo cadeias, forçando caminhos,
ensaiam libertos a marcha do Povo,
a festa dos negros, acolhe Olorum!





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