A importância do funcionário público

Uma das causas que deflagraram os conflitos que eclodiram em São Paulo na semana passada foi o vazamento de informações de uma CPI. Um técnico de som vendeu para advogados dos bandidos o áudio de tudo o que foi discutido numa sessão que deveria ser secreta da CPI do Tráfico, onde delegados informavam medidas que seriam tomadas contra líderes do PCC. O técnico de som confessou sua participação e informou inclusive por quanto se vendeu: R$ 200 reais.

As medidas contra ele, os advogados corruptos e os bandidos já estão sendo tomadas. Mas o caso é bom para se levantar uma outra questão, que não se discute, e está na raiz da maior parte dos problemas do país: a privatização do serviço público.

Antigamente, os funcionários públicos eram respeitados, tinham bons salários. Só eram admitidos mediante concursos – sempre disputadíssimos. Com a onda neoliberal que varreu o mundo, extinguiram-se cargos, incentivaram-se demissões voluntárias, aposentadorias precoces, aviltaram-se os salários, desmontou-se um trabalho de anos.

A mão-de-obra passou a ser terceirizada, em nome de uma suposta economia, com a alegação de que isso daria maior agilidade e eficiência à máquina burocrática. O que se verifica é o exato oposto. Funcionários desmotivados, descompromissados, com salários aviltados, reunidos em grandes empresas fornecedoras de mão-de-obra – muitas delas de propriedade de políticos, inclusive ex-ministros.

Abra-se a caixa-preta dessas grandes empresas e vai-se chegar à raiz da maior parte dos casos de corrupção e desvio do dinheiro público. Um artigo de Luís Nassif dá números a essas megaterceirizadoras:

Grande parte dos gastos operacionais de Furnas era com uma terceirizadora de mão-de-obra, a Bauruense, com 2.000 funcionários, e que chegou a faturar R$ 800 milhões em três anos apenas com seu contrato de Furnas. A Bauruense é a quarta terceirizadora paulista em tamanho e cresceu na área pública a partir do governo Álvaro Dias, no Paraná, de onde nasceu sólida amizade do ex-governador com os irmãos Daré, donos da empresa.

Em Brasília, a terceirização na área federal é comandada pela Confederal (do ex-ministro das Comunicações e deputado federal Eunício de Oliveira). Em São Paulo, pela Tejofram (14 mil terceirizados) e pela Gocil (mais de 8.000). E são sempre as mesmas. Mesmo sendo um setor altamente rentável, não aparecem concorrentes para disputar espaço e derrubar preços.


Somem-se a isso os milhares de cargos públicos à disposição dos políticos para nomeações a cada legislatura, a cada nova troca de comando no executivo, e tem-se o caos. De um lado, funcionários públicos concursados desmotivados, não só por terem seus salários corroídos nos últimos anos, mas por não terem um plano de metas nem campanhas motivacionais internas, como as que são feitas nas grande corporações privadas. Com isso, estão, em geral, desmotivados, por sentirem-se desprestigiados. De outro lado, o imenso efetivo de terceirizados, que não se sentem comprometidos com os locais onde trabalham, pois na verdade “não pertencem” àquele local, estão ali de passagem.

A imagem que me vem à cabeça é a de um exército de mercenários. Teoricamente poderia ser até a melhor solução para uma guerra emergencial, mas jamais como solução definitiva para um país. É necessário um exército regular, com treinamento e motivação constantes, para vencer a guerra maior, aquela que é travada no dia-a-dia.

Mas não é isso o que se vê. Pegue-se a raiz de toda a crise do mensalão, e ali estava a distribuição de cargos, a partilha da máquina do Estado entre os partidos. Cassar um ou outro deputado (nem isso fizeram) não resolverá o problema.

O que é preciso é acabar com as nomeações políticas, aceitar a terceirização apenas para pequenas e pontuais contratações, e estabelecer que o funcionalismo público é quem deve cuidar da máquina pública. Entra governo, sai governo, todos têm que trabalhar com os mesmos funcionários de carreira, admitidos após rigorosos concursos, treinados e motivados, como acontece nas grandes empresas. Mas com um grande diferencial em relação a estas, a estabilidade no emprego, para que não dependam dos humores dos poderosos da vez.

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