Jornalismo ou fofoca?

Para tentar demonstrar o que venho afirmando, vou dar como exemplo um texto hoje da Folha online. A reportagem é de Janaína Lage. Quero destacar que a escolha da reportagem foi ao acaso. Existem várias outras semelhantes.
Reparem que a primeira parte é baseada em depoimentos reais, colhidos pela repórter. Ela reafirma o que Lula e Palocci vêm dizendo há vários dias para ouvidos moucos de boa parte da imprensa: que a política econômica não muda, que o ministro não muda.
Já a segunda parte, é um festival de fofocas: alguém teria dito, ou ouvido, fontes próximas, amigos...
Reproduzo em azul a reportagem aqui. Os comentários em itálico e na cor vermelha entre parênteses são meus.

Lula garante Palocci até o final do mandato
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quarta-feira que o ministro Antonio Palocci continuará na Fazenda até o fim de seu mandato. Segundo Lula, o governo não pode se deixar levar por especulações. "[Palocci] é uma figura imprescindível para o Brasil, todo mundo sabe o que ele significa para a economia brasileira."
Indagado se a saída de Palocci seria uma joga da oposição, Lula afirmou que existem pessoas que trabalham em cima de tropeços e que o país deveria ser agradecido pelo que Palocci fez à economia brasileira.

Ontem, ao participar de uma audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, Palocci disse que apenas Lula poderia responder sobre sua permanência no cargo (o cargo de ministro não pertence ao ministro, mas ao presidente. Como poderia Palocci responder que fica no cargo se o cargo não lhe pertence?). O ministro também resistiu a responder se de fato havia pedido demissão. (Em seu depoimento, Palocci afirmou claramente que não conversara com o presidente sobre esse assunto).
Sobre as divergências entre ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e Palocci, Lula afirmou que o equilíbrio precisa ser igual a de um time de futebol. "Só dá certo porque tem 11 jogadores com características diferentes. No governo é a mesma coisa."
Durante o discurso, o presidente defendeu a política econômica promovida pelo ministro e afirmou que às vésperas da eleição, há muita gente que "vende facilidades". "Quando você vira governo, sai da era do eu acho para a era do eu faço", disse ele.
Lula disse que o país nunca teve um crescimento com uma conjuntura macroeconômica tão positiva: com aumento do PIB, inflação sob controle e exportações em alta.
"A questão da inflação no Brasil é cultural. Tem gente que começa a vender um pouco mais e logo aumenta o preço", afirmou.

Clima
Na última segunda-feira, Palocci teria dito a Lula que poderia deixar a pasta se não tivesse suas reivindicações atendidas ( “teria dito”,” que poderia”,” se”, três condicionantes podem fazer uma afirmação? Além do mais, “teria dito” a quem? ). Palocci teria pedido ( novamente o “teria” ) demissão na semana passada, mas o presidente não aceitou ( de novo: Palocci negou peremptoriamente que tenha falado desse assunto de demissão com Lula ).
O ministro condiciona a permanência à recomposição de seu poder no governo, o que passa pelo fim do chamado "fogo amigo" (críticas públicas de ministros e de caciques do PT) e sinais claros de que tem carta branca na área econômica (onde e quando o ministro afirmou isso? ). Ou seja: o que Lula dizia antes de Palocci ser atacado por Dilma em entrevista na qual ela chamou de "rudimentar" a proposta da equipe econômica de ajuste fiscal de longo prazo.
Nos últimos dias, Palocci tem dado evidências de que sua insatisfação é real (quais? Tirando as fotos tiradas durante um pronunciamento de Lula, em que Palocci estava com cara de saco cheio - e no lugar dele quem não ficaria, ouvindo todo dia que vai cair, que está sendo fritado? - todas as vezes em que se pronunciou, Palocci se mostrou bem humorado, tranqüilo e confiante ). Na quinta-feira passada, um dia depois de ter falado aos senadores na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, ele disse que achava "melhor sair" quando pediu demissão ao presidente (quando Palocci fez tal afirmação?Ontem ele voltou a dizer que nunca tocou nesse assunto com o presidente ). Uma semana antes, já havia dito a Lula que poderia deixar o cargo devido ao "fogo amigo" e à evolução da crise política (acusações de corrupção na Prefeitura de Ribeirão Preto) (mais uma vez: quando o ministro afirmou isso? ).
Na última quinta-feira, Palocci teve conversa franca com Lula, segundo relato dado pelo presidente e pelo ministro a amigos (o presidente e o ministro desmentem essa afirmativa o tempo inteiro. Além do mais, que “amigos” são esses que saem espalhando para os repórteres o oposto do que declaram Lula e Palocci? ). Palocci criticou Dilma (isto o ministro fez, e para todo o Brasil. Mas, note a diferença: ele não criticou Dilma, mas a proposta dela ) e se queixou do próprio presidente, dizendo achar que sua dubiedade na economia custaria a confiança dos investidores construída em três anos (quando o ministro fez essa queixa? ).
O ministro disse ainda achar um erro Lula estimular Dilma a enfrentá-lo, pois isso provocaria perda de sua credibilidade, algo fatal para um ministro da Fazenda (mais uma vez: quando Palocci disse isso? ). Lula respondeu que cobrava apenas execução orçamentária mais eficaz. Afirmou que o papel de Dilma era tirar projetos do papel e que ela lhe disse que encontrara obstáculos na equipe econômica, que seguraria recursos para elevar o superávit primário (quando e a quem o presidente disse isso? ).

Provavelmente a repórter, e todos os demais que escrevem essas matérias "interpretativas", às vezes até "telepáticas" (quando conseguem ler o que vai na cabeça das pessoas), dirá que as informações vieram de "fontes"... Serão essas fontes como aquele descrita pela jornalista Marina Amaral na reportagem "Como se constroem as notícias"?