Neutralidade Ameaçada

Reproduzido da coluna de André Machado, O Globo, 05/02/2007

Analisador de datagramas.Você sabe o que querem dizer essas três palavras? Elas estão hoje entre as maiores ameaças à neutralidade da internet. Não somos nós que dizemos: é uma das maiores autoridades em internet no país - Carlos Afonso, diretor de planejamento da Rits (Rede de Informações do Terceiro Setor).

Um analisador de datagramas é um recurso de rede que avalia os pacotes de dados que passam pela web.

- Ele pode decidir o destino de qualquer tipo de informação circulando pela web: reconstruir emails, chamadas voz sobre IP, ver todos os sites visitados e assim por diante - explicou Carlos Afonso há algumas semanas em seminário no Rio organizado pela Rits. - A velocidade desse analisador de 10 gigabits por segundo e, com isso, ele pode verificar ou transmitir um DVD inteiro de dados em apenas cinco segundos. Ou, nesse mesmo tempo, recriar 150 mil chamadas em voz sobre IP (num Skype, digamos).

O analisador também fica de olho em fluxos peer-topeer (P2P), como arquivos MP3 ou de vídeo. E por que ele é uma ameaça à neutralidade da rede? Porque as empresas o usam para impedir o livre fluir de dados, segundo seus interesses econômicos. Segundo Carlos Afonso, as grandes operadoras internacionais aproveitam esse poder para bloquear ou degradar o tráfego web da concorrência, impedir a troca P2P no âmbito de suas redes e ainda contabilizar o tráfego por categorias para refinar a cobrança de contas.

- Imagine uma televisão baseada no protocolo de internet (IP) de uma telefônica passando pela rede de uma operadora de TV a cabo - diz Afonso. - A operadora de TV a cabo, com um analisador, tudo fará para que a televisão IP seja prejudicada na passagem por sua rede. E não há lei contra isso...

Esse tipo de ação já afetaria as comunicações mundiais e torna a internet, na prática, um campo minado.

Mas a neutralidade internética, frisa Afonso, significa que os provedores das infovias, quaisquer que sejam, não podem em hipótese alguma controlar como o usuário utiliza a rede. Em outras palavras, assim, como todos somos (ou deveríamos ser) iguais perante a lei, todo datagrama ou pacote deveria ser igual perante a rede.

A tão propalada convergência tecnológica, que aumenta a olhos vistos, tem ao menos um efeito nefasto quando se pensa na neutralidade da internet. É a franca verticalização de serviços - isto é, sua concentração crescente nas mãos de empresas capazes de controlar as três camadas básicas do ciberespaço a camada física (infra-estrutura), a camada lógica (protocolos de rede e software) e o conteúdo online propriamente dito.

- Perde-se a interatividade livre, aumenta a interatividade controlada - alerta Carlos Afonso.

Para ele, a sociedade precisa ficar muito atenta a esse fenômeno.

- Mesmo no Comitê Gestor, quando discutimos coisas como spam, ponderamos sobre como coibir o tráfego dos spammers diferenciandoos corretamente de uma mala direta honesta e corretamente identificada - explica. - A manutenção da liberdade é essencial.

No mesmo seminário, o advogado Guilherme de Almeida definiu os três itens básicos para manter a internet livre e cidadã: 1) ter roteamento não-discriminado de pacotes; 2) manter o usuário no controle da escolha de níveis de serviços; e 3) continuar a dar ao internauta a possibilidade de usar novos produtos e programas sem intervenção do provedor ou operadora.

- A provedores, operadoras de telecom e fabricantes de hardware a neutralidade não interessa, mas o fim dela leva à limitação da criatividade, à censura ao usuário e à impossibilidade de surgimento de novas aplicações - diz.