Escolas de samba do Rio: Manipulação de reportagem e manipulação de resultados

Reportagem publicada no jornal O Globo de domingo, assinada por Chico Otavio e Aloy Jupiara, é um exemplo típico do jornalismo de resultados a que me referi aqui. Eles partem de uma premissa e forçam os fatos para que se encaixem nela, ainda que para isso joguem na lama, como suspeitos de corrupção, os nomes de 40 pessoas que atuaram como juradas no desfile das escolas de samba do carnaval do Rio.

Vou reproduzir aqui trechos da “reportagem”, que pode ser lida na íntegra na edição digital do jornal, que aceita consulta de até uma semana e pede apenas um registro para permitir o acesso. (os grifos e os comentários são meus)

Júlio César [Guimarães Sobreira, sobrinho do capitão Guimarães], em ligação telefônica interceptada pela PF no dia 8 de fevereiro deste ano, orienta Jacqueline da Conceição Silva, integrante do esquema, a fornecer um “kit” para determinado jurado do desfile — não há referência a nome no relatório. Como Jacqueline foi identificada como responsável pela organização e pela contabilidade da propina paga a policiais, sem ter ligação com o carnaval, a polícia desconfia que o “kit” possa ser propina [como a polícia “desconfia” e não há o nome do jurado no relatório, todos os 40 são jogados como possíveis corruptos].

Na ligação, Jacqueline diz que está mandando “o negócio para a pretinha” (imóvel usado pela organização criminosa para o pagamento de propinas [aqui a reportagem afirma que pretinha significa isso e não outra coisa]). Depois de ouvir de Júlio Cesar o pedido para que providencie os trâmites necessários a alguém que havia aceitado o convite para ser jurado, Jacqueline informa ao chefe que “o rapaz faz a posição” e “mandou dizer que hoje é pouco, mas que Júlio sabe por quê”. O sobrinho de Capitão Guimarães responde que sim, mas quer que mande um fax “com a posição”. [Acho que esse é um dos momentos culminantes do jornalismo de resultados. As frases jogadas assim não querem dizer absolutamente nada, mas nesse tipo de jornalismo elas dizem tudo, e o tudo é a tese que os jornalistas querem demonstrar]

Na “pretinha” ou “casa preta”, um apartamento na Rua Conde de Bonfim, na Tijuca, de onde Júlio geria o corpo de jurados, a PF descobriu uma parede falsa, na qual estavam ocultos R$4 milhões. Para os investigadores, o dinheiro (supostamente arrecadado em jogos de azar) comprova que o sobrinho de Capitão Guimarães evitava usar o sistema bancário. [Finalmente um fato...].

A PF relata também que, após a deflagração da Operação Hurricane, recebeu denúncias de que uma pessoa conhecida como Paulinho Crespo atuaria como matador a serviço de Anísio. Recebeu ainda informações de que “alguns indivíduos (não identificados), que trabalharam como jurados no carnaval e que se recusaram a receber benefícios de Anísio, foram ameaçados ou tiveram seus familiares ameaçados de morte, caso a escola de samba Beija-Flor não ganhasse o carnaval de 2007”. Não há detalhes sobre como os policiais chegaram a essas informações e quem é Paulinho Crespo. A Beijar-Flor foi a campeã do desfile. [O encaixe desta última frase serve para os jornalistas comprovarem a tese de que os jurados que não foram corrompidos, foram ameaçados, e o fato de a Beija-Flor ter sido campeã é a prova...].

(...) O relatório aponta ainda que, no notebook de Júlio Cesar, foi encontrada uma planilha com nomes dos 40 jurados do carnaval deste ano [estranho seria se encontrassem a planilha no meu computador. Júlio César, segundo afirma em outro trecho a mesma reportagem, “era o responsável pela escolha do corpo de jurados”, logo, não é de se estranhar que ele tenha a planilha com os nomes em seu notebook]. Entre eles, 11 estavam destacados. Os agentes federais afirmam, no entanto, que neste momento não é possível dizer por que os nomes estavam destacados.

Não duvido de que tenha havido tentativa de corrupção, ou mesmo corrupção, entre os jurados. O time a quem a prefeitura do Rio entregou o comando do carnaval tem um histórico muito pouco recomendável. Mas a matéria é um primor de desinformação e acaba lançando lama sobre os 40 jurados.

Pela tese dos jornalistas, minha filha de cinco anos pode ter escrito uma obra-prima. Pela quantidade de macarrão de letrinhas que ela ingeriu até hoje, juntando uma letra aqui, outra ali...

(A reportagem me fez recordar um conto de Cortázar. Vou procurá-lo)

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