Lula devorou FHC, o bispo Sardinha tucano

Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
- Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo ontem o economista Márcio Pochmann, presidente do IPEA, afirma que governo Lula põe por terra mitos construídos na década de 90 e – digo eu – tidos como verdades inquestionáveis pelo governo FHC.

Falso mito 1: “A geração de inempregáveis”

Primeiro, teve relevância na reorientação das políticas públicas dos anos 90 o falso mito da geração dos inempregáveis, tendo em vista a dicotomia entre a perspectiva do determinismo tecnológico na supressão dos postos de trabalho e o avanço na oferta de mão-de-obra. Por causa disso, pregava-se que o setor industrial não mais geraria emprego e o assalariamento estaria com os dias contados, restando, em contrapartida, o salve-se quem puder pelo auto-emprego (empreendedorismo) ou pelos cursos de qualificação profissional.
À medida que o Brasil vai se distanciando da visão neoliberal, o emprego assalariado volta a crescer, permitindo que o desemprego comece a diminuir. O país está longe do ideal, mas não há por que deixar de acreditar que o desemprego possa voltar às taxas inferiores a 3% da população economicamente ativa vigentes até a década de 1980, desde que nossa economia insista no ritmo de expansão acima dos 5% ao ano, acompanhado de um novo padrão de políticas públicas.

Falso mito 2: “Salário mínimo maior aumenta desemprego”

Em segundo lugar, deve-se destacar o falso mito de que o salário mínimo em alta implicaria elevação do desemprego (fechamento de empresas) e da informalidade das relações de trabalho (ocupações sem carteira assinada) ou queda do salário real (aumento da inflação). Diferentemente disso, percebe-se nos dias de hoje que a marcha de contínua recuperação do valor real do salário mínimo nacional vem acompanhada da manutenção da estabilidade monetária, queda do desemprego e da informalidade.

Além disso, destaca Pochmann, o aumento do mínimo é fator decisivo para a diminuição da desigualdade no país, como mostraram dados recentes da Pnad 2006.

O rendimento dos trabalhadores de salário de base (intervalo do segundo ao quinto decis da estrutura da distribuição da renda do trabalho) foi o que mais cresceu em 2006 -12,6%, contra 7,8% no rendimento do extrato superior.

Falso mito 3: “Legislação social e trabalhista no Brasil é anacrônica”

Por fim, em terceiro lugar, ganhou dimensão o falso mito a respeito do anacronismo da legislação social e trabalhista no Brasil. Além de antiga, pois constituída na década de 1940, se apresentava como um verdadeiro entrave ao avanço das relações de trabalho, pois suprimiria empregos e fomentaria a informalidade. Em síntese, a CLT era apontada pelos neoliberais de plantão como portadora do desemprego ou da ocupação precária.
Acontece que a cegueira situacional em que se meteram os automatistas e exclusivistas das forças de mercado os impediu de constatar não só que as medidas regulatórias do trabalho no chamado mundo desenvolvido eram ainda mais antigas que as do Brasil mas também que as mudanças executadas mais recentemente haviam gerado a volta ao passado, com intensa precarização e desigualdade entre os trabalhadores, conforme atestam estudos internacionais produzidos pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Como não poderia deixar de ser, as mais de duas dezenas de alterações introduzidas na CLT voltadas para a desregulação e a flexibilização do mercado de trabalho produziram o óbvio: perdas irreparáveis para a maioria daqueles que dependem do seu próprio trabalho para sobreviver.
Desde o afastamento do assédio liberal-conservador, que torna menos intensa a pressão pelo desmanche da legislação social e trabalhista, o mercado de trabalho reage menos desfavoravelmente aos trabalhadores. Não somente o emprego formal é o que mais cresce no país desde 2003 (4% em média ao ano) como também permitirá ultrapassar o estágio da estruturação do mercado de trabalho atingida na década de 1980, caso a economia continue a perseguir o ritmo de expansão acima dos 5% ao ano.

Lula devorou tucanos, como caetés o bispo Sardinha

Agora, digo eu: Lula apoderou-se do discurso dos tucanos pregando e defendendo como sua a estabilidade do país, o controle da inflação. Mas lançou sobre esse discurso o seu próprio e, antropofagicamente, melhorou todos os números do país – até aqueles de que os tucanos tanto se gabavam – deixando-os sem discurso, sem proposta, sem rumo, a ponto de terem de apelar ao STF para não perderem, um a um, seus parlamentares, como já acontecia com os Demos.

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