Segunda com Música: Elza Soares, 'Que os filhos do Planeta Fome não percam a esperança em seu cantar'

Elza Soares

'Brasil, esquece o mal que te consome'


É Carnaval, por isso este extraordinário Segunda com Música.

Hoje desfila a Padre Miguel, que escolheu como tema Elza Soares, que tantas vezes cantou o samba da escola na avenida.

O enredo fala da vida e da luta dessa guerreira e de seu povo do planeta Fome, historinha que explico a seguir:

Elza, ainda muito jovem, foi se apresentar no programa de calouros mais famoso e importante do país, do compositor de Aquarela do Brasil, Ary Barroso.
Elza - Quando eu vi todo mundo rindo de mim... E o Ary Barroso ali parado no piano, ele puxou os óculos, ficou me olhando, não me chamava, não dizia nada, e eu parada... Eu fiquei esperando ele me chamar de "minha filha", mas ele não disse. A coisa estava muito feia pra ele me chamar de filha. (risadas) Ele já me via como um ET. Então ele disse "aproxime-se", assim duro e frio. E as pessoas rindo muito, mas eu nem aí, com aquela saia cheia de alfinetes e duas maria-chiquinhas no cabelo. Eu deveria ter uma foto porque realmente era uma coisa muito esquisita. Então fui me aproximando dele, deixando todos rirem muito, sem olhar para o auditório. Fiquei parada perto dele, olhando para ele.

UpToDate - Qual foi a reação dele?

Elza - Ele me disse "o que é que você veio fazer aqui?" Eu disse "ué, eu vim cantar". "Mas quem disse a você que você canta?", ele me perguntou. Eu disse, "eu!". Então ele me perguntou "mas me diga uma coisa, de que planeta você veio?". Ah, aquilo me feriu, aquilo bateu no ego.

UpToDate - E a plateia a essa altura?

Elza - Rindo muito às gargalhadas porque aquilo era muito cômico. Então eu disse a ele: "Sr. Ary Barroso, eu estou vindo do planeta fome, do mesmo planeta seu". Aí todas as pessoas no auditório ficaram quietas. Antes dele me perguntar os nomes dos autores, eu disse o nome deles.

UpToDate - O que é que você cantou?

Elza - Eu cantei "Lama", mas eu não me lembro os nomes dos autores. E tinha um neguinho que ficava segurando um pau para soar o gongo. Então eu disse ao Ary para ele tirar aquele neguinho com aquele pau na mão porque ele não iria precisar usar aquilo, ele não iria me gongar.

Aí comecei a cantar mas, na metade da música, eu me lembrei do que eu aprendi a fazer com a lata d'água (cantando com a voz rouca e arranhada). E cantei a música inteira assim. O auditório, que a princípio estava rindo muito, parou. Ficaram quietos e depois começaram a aplaudir. Foi a primeira vez que eu senti uma sensação de ódio.

UpToDate - Mas ódio por que se eles riram e depois te aplaudiram?

Elza - Era uma sensação de hipocrisia, mas eu também não sabia explicar, porque eu era muito criança apenas com treze anos. Eu achei aquilo uma crueldade, meu filho estava entre a vida e a morte; eu mãe, sendo apenas uma criança, tentando ganhar aquele dinheiro. Mas eu fui aplaudida de pé e o povo gritava e delirava. Eu terminei de cantar deitada no peito do Ary Barroso. Ele não resistiu e me abraçou. Então ele disse, "Senhoras e senhores, neste exato momento acaba de nascer uma estrela".

Agora você imagina a minha inocência, eu fiquei olhando pra cima pra ver onde estava nascendo a tal da estrela. (risadas) Eu até queria perguntar pra ele de que estrela ele estava falando, mas eu estava chorando, me desmanchando em lágrimas. Então eu ganhei nota cinco, que era o máximo. Andei de táxi pela primeira vez na minha vida para pagar na outra quarta-feira.

UpToDate - Você ganhou dinheiro também?

Elza - Naquele dia eu só ganhei a nota cinco, o dinheiro eles pagaram na semana seguinte. Quando eu cheguei em casa, estava todo mundo me esperando na porta. E o motorista de taxi disse a eles que "o Sr. Ary Barroso me pediu para trazer a menina porque ela é uma estrela". Na semana seguinte, fui lá pegar o dinheiro, e aquela figura bonita (Ary Barroso) ficou sendo meu amigo por muitos anos. Ele estava presente em todos os primeiros shows da minha vida. Ele se sentia o tutor da Elza Soares. [Fonte: UpToDate]





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