Domingo com Poesia: Utopia, de Wislawa Szymborska



A Prêmio Nobel de Literatura Wislawa Szymborska [imagem] vive sendo publicada aqui no Blog. Leia e veja o porquê.

Utopia



Ilha onde tudo se esclarece.

Aqui se pode pisar no sólido solo das provas.

Não há estradas senão as de chegada.

Os arbustos até vergam sob o peso das respostas.

Cresce aqui a árvore da Suposição Justa
de galhos desenredados desde antanho.

A árvore do Entendimento, fascinantemente simples
junto à fonte que se chama Ah, Então É Isso.

Quanto mais denso o bosque, mais larga a vista
do Vale da Evidência.

Se há alguma dúvida, o vento a dispersa.

O eco toma a palavra sem ser chamado
e de bom grado desvenda os segredos dos mundos.

Do lado direito uma caverna onde mora o sentido.

Do lado esquerdo o lago da Convicção Profunda.
A verdade surge do fundo e suave vem à tona.

Domina o vale a Inabalável Certeza.
Do seu cume se descortina a Essência das Coisas.

Apesar dos encantos a ilha é deserta
e as pegadas miúdas vistas ao longo das praias
se voltam sem exceção para o mar.

Como se daqui só se saísse
e sem voltar se submergisse nas profundezas.

Na vida imponderável.

Filhos da época



Somos filhos da época
e a época é política.

Todas as tuas, nossas, vossas coisas
diurnas e noturnas,
são coisas políticas.

Querendo ou não querendo,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um aspecto político.

O que você diz tem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.

Até caminhando e cantando a canção
você dá passos políticos
sobre um solo político.

Versos apolíticos também são políticos,
e no alto a lua ilumina
com um brilho já pouco lunar.
Ser ou não ser, eis a questão.

Qual questão, me dirão.
Uma questão política.

Não precisa nem mesmo ser gente
para ter significado político.
Basta ser petróleo bruto,
ração concentrada ou matéria reciclável.
Ou mesa de conferência cuja forma
se discutia por meses a fio:
deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
numa mesa redonda ou quadrada.

Enquanto isso matavam-se os homens,
morriam os animais,
ardiam as casas,
ficavam ermos os campos,
como em épocas passadas
e menos políticas.



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