segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Era tudo mentira e hipocrisia no Afeganistão, denuncia jornalista afegã


A jornalista afegã Waslat Hasrat-Nazimi [imagem] escreveu emocionado artigo sobre a situação de seu país natal. 
 
Com a saída dos EUA, os talibãs já tomaram até a capital, Cabul, e as imagens de pessoas desesperadas no aeroporto tentando fugir do país estão nas TVs do mundo.

Waslat Hasrat-Nazimi fugiu do Afeganistão para a Alemanha com a família quando criança e hoje é chefe da redação afegã da Deutsche Welle.

Chega de hipocrisia em relação ao Afeganistão 

 Mal as tropas americanas tinham se retirado, e as coisas se desenrolaram muito rapidamente. Em poucos dias, o Talibã invadiu uma província após a outra. Como dominós, as capitais provinciais caíram. Milhares de afegãs e afegãos fugiram na esperança de encontrar abrigo seguro na capital, Cabul, - em vão. Agora também Cabul está nas mãos do Talibã.

No Ocidente, as pessoas observam, em parte espantadas e em parte estupefatas, como, dentro de poucos dias, a República Islâmica do Afeganistão é transformada num emirado islâmico. Recebo repetidamente mensagens e telefonemas de conhecidos e colegas expressando sua solidariedade. Um colega da redação árabe da DW diz não saber exatamente por que, mas o que está acontecendo o afeta incrivelmente.

A grande mentira da missão no Afeganistão

A razão pela qual muitos estão chocados é que estão começando a perceber que seus governos não invadiram o Afeganistão 20 anos atrás para defender os direitos humanos, mas somente por interesses políticos.

Como os interesses políticos mudaram, uma vez que o cálculo do custo-benefício não funciona mais, eles querem sair do país - e o mais rápido possível. Era tudo uma grande mentira. Direitos humanos? Direitos da mulher? Democracia? Deixe os afegãos resolverem isso por si mesmos, disse recentemente o presidente americano Joe Biden. Ele disse que não passaria a missão, que foi liderada por quatro presidentes sucessivos dos EUA, a um quinto.

O que ele deixa de mencionar é que os EUA invadiram o Afeganistão em outubro de 2001 não apenas para combater o Talibã e a Al Qaeda. Eles prometeram ao povo afegão que iriam democratizar o país. Um dos principais argumentos para a ocupação era a proteção dos direitos das mulheres afegãs. Agora, quase 20 anos depois, fica claro que nunca se tratou das mulheres ou de democracia. Era tudo uma retórica vazia.

As mesmas mulheres que foram aplacadas quando alegadamente se levantaram com demasiada veemência por seus direitos e a quem foi prometido que a democracia e o Estado de direito sempre venceriam no final são agora jogadas de volta à escuridão de 20 anos atrás. Elas foram traídas e vendidas. Muitas ativistas dos direitos das mulheres temem por suas vidas.

A mesma hipocrisia pode ser vista na política de refúgio da União Europeia (UE) e da Alemanha. Afegãs e afegãos estão fugindo de seu país de origem há muitos anos. Não é fácil para ninguém deixar sua terra natal. Eles fogem porque a situação de segurança no Afeganistão foi se deteriorando cada vez mais.

Refugiados precisam ser acolhidos

Tudo isso foi ignorado. O Afeganistão foi classificado como "seguro". Muitos refugiados foram deportados, outros apenas tolerados. Milhares de afegãos vivem sob condições desumanas na Grécia, Turquia ou nos Bálcãs. Os políticos da UE se recusaram a reconhecer que a situação de segurança no Afeganistão era desoladora, que a intervenção havia falhado.

Agora, quando é tarde demais, eles se mostram chocados – os políticos, a mídia e os acadêmicos. No entanto, países como a Alemanha têm uma responsabilidade. Em vez de apoiar senhores da guerra e políticos corruptos durante anos, eles deveriam ter se dedicado seriamente ao povo afegão e à sua cultura. Deveriam ter escutado as mulheres em vez de apaziguá-las. Em vez de construir um exército, deveriam ter trabalhado com o povo para criar uma perspectiva para o país.

E agora? Os Estados ocidentais da comunidade internacional devem acolher os refugiados afegãos o mais rápido e sem burocracia possível. E eles deveriam finalmente reconhecer aqueles que esperam por uma decisão nos países da UE, às vezes sob condições deploráveis. O mesmo vale para os que virão nos próximos meses e anos do país destruído que o Ocidente deixou para trás. Isso é o mínimo que a Europa pode fazer pelo povo do Afeganistão.






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5 comentários:

  1. Tudo isso era previsivel. O ocidente inteiro não tem compromisso algum com absolutamente nada a não ser o lucro fácil! A desgraça ocidental é implacavel. Nada sobrevive nesse ocidente sem escrúpulos. Agora, trazendo o assunto para onde nos interessa, o Brasil está exatamente na mesma situação. Alinharam o Brasil desde o governo Dilma para ser convertido na Matriz Provedora do Império. Pensem bem nisso e abram os olhos. Se Lula não vencer as eleições de 2021, esqueçam o Brasil. Não existe a mínima chance de uma Terceira Via salvar o país, porque ela é na verdade uma máscara do neoliberalismo anti-humano e canibal. Salvem o Brasil hoje antes das eleições. Porque se deixarem para um pouco mais tarde vai ser tarde demais!

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    1. Concordo com vc. Quando vi isso tudo já me senti no Afeganistão. Se não abrirmos os olhos, depois, será tarde demais.

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  2. Se as armas resolvessem tudo, não estaríamos à mercê de terroristas no Afeganistão. O interesse da industria armamentista de todos os cantos foi ávidamente satisfeito, mas não houve políticas de desenvolvimento humano e social, não houve investimento nas condições de trabalho e renda, de educação, enfim. Como se apenas as trincheiras importassem. O que podia ter sido feito em 20 anos com metade desse capital todo, acho que todos sabem. Teria sido muito mais significativo. Muita gente nos EUA ganhou muito dinheiro com esta guerra intestina. E o resultado hoje é que as pessoas que teriam sido protegidas estão totalmente impotentes para dar curso a seu destino.

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  3. Os talibãs só aparecem exibindo muitas armas. Em essência, trata-se de um problema do próprio povo de lá. Aí vem a questão: deixar que eles mesmos encontrem o seu caminho ou intervir de fora? Se intervir, quem o fará com que direito e intenções?

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    1. A história do povo Afegão ultimamente até onde eu consigo lembrar tem sido de constantes guerras de sobrevivência. Ainda tenho vivo na memória aquela imagem do Zbignew Brzezinski armando os Talibãs contra os soviéticos e dizendo para eles resistirem. Então não é a toa que vejamos apenas armas nas mãos deles. Agora, a Russia e a China entenderam o problema de uma maneira total e sem equívocos porque aprenderam a lição. Tomaram as devidas precauções e diplomática e estratégicamente trataram de resolver o problema de forma pragmática validando os Talibãs e trazendo-os para a sua esfera de influência. Daqui para frente a coisa vai ser muito difeente porque eles extrairam dos Talibãs a promessa de não exportar ideologia aos países vizinhos. Eles agora estão totalmente contidos. O interesse estratégico Sino-Russo é desenvolvimento regional e o Afaganistão é parte integrante deste processo. A preocupação dos Talibã deverá ser governança responsável, e ai deles se não fizerem isso.

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