Governo Bolsonaro desativa Sala de Estudos da varíola dos macacos no meio do aumento de casos no Brasil e no mundo

A informação é de Jesem Orellana, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz, em artigo publicado no site Amazônia Real.

No quarto parágrafo do artigo, há a informação da desativação da Sala:

Chama atenção que o veloz aumento de casos no país, coincidiu com o encerramento da “Sala de Situação de Monkeypox” em 11 de julho de 2022 pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), pulverizando o seu monitoramento/ações entre o Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) e outras áreas da SVS.

A seguir, a íntegra do artigo do epidemiologista, que desenha um quadro de desinformação e desaparelhamento do governo Bolsonaro para tratar do problema, que vem se agravando dia a dia, com o aumento exponencial do número de casos da varíola do macacos entre nós. Mesma desinformação e desaparelhamento que causaram até o momento a morte de mais de 670 mil brasileiros por COVID 19.

A Monkeypox, conhecida como varíola dos macacos, foi inicialmente detectada em macacos de um laboratório da Dinamarca, em 1958. O primeiro caso em humanos, foi diagnosticado em 1970 no Congo1. Desde então, a ocorrência da doença se dava de forma limitada, em geral, em subpopulações negligenciadas. No entanto, somente em 2022, foram confirmados mais de 17 mil casos, sobretudo na Europa e Américas2. Ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha afirmado, há aproximadamente quatro semanas, que não se tratava de uma emergência global de saúde pública, em 23 de julho, diante do veloz e inédito aumento de casos em todos os continentes, a Monkeypox foi declarada como emergência sanitária global, em função do precário atendimento às exaustivas recomendações anteriores da OMS e de cientistas que alertavam para o perigo de se ignorar o problema.

No Brasil, em 27 de junho de 2022, haviam 20 casos confirmados. No entanto, em 27 de julho e depois de ter dado pouca atenção ao problema, esse número aumentou3 cerca de 48 vezes, saltando para 978, com 88% desses casos concentrados nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, em particular em suas capitais. 

Chama atenção que o veloz aumento de casos no país, coincidiu com o encerramento da “Sala de Situação de Monkeypox” em 11-julho-2022 pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), pulverizando o seu monitoramento/ações entre o Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) e outras áreas da SVS.

Nos estados amazônicos da região norte do Brasil, até 22 de julho, não havia notificação de casos confirmados. No entanto, o Acre confirmou o primeiro caso em 25 de julho4, o qual deixou de ser reportado no informe diário da SVS do mesmo dia. Além disso, o país ficou sem o boletim diário, em 26 de julho e na manhã de 27 de julho, mostrando a falta de transparência e de agilidade do Ministério da Saúde, com sua improvisada e limitada apresentação de dados sobre a doença. 

O segundo estado da região norte a notificar a doença foi o Tocantins, em 26 de julho, e o terceiro o Amazonas, em 27 de julho, cerca de três semanas depois da possível exposição do paciente. É importante frisar que a capacidade de notificação de cada estado está diretamente associada com a efetividade das vigilâncias epidemiológicas, em particular da laboratorial, sofrível nos municípios amazônicos. Portanto, diante da preocupante situação das informações em saúde no país, não se pode descartar a possibilidade de subnotificação ou atraso na confirmação de casos na região. 

É apenas uma questão de tempo para que os primeiros casos sejam confirmados nos demais estados da Amazônia, incluindo seu continental arco de fronteira (do Mato Grosso à Guiana Francesa).

No Brasil e a exemplo do ocorrido com a importante disseminação  do novo coronavírus pela via aeroportuária, pouco ou nada foi feito em parceria com a Agência Nacional de Aviação Civil  (ANAC), no que tange à implementação oportuna e efetiva de medidas voltadas à prevenção e/ou controle da Monkeypox nos aeroportos, ainda que os dois primeiros casos suspeitos tenham sido reportados por estados sabidamente turísticos e há mais de 50 dias, como Ceará e Santa Catarina5

Medidas coordenadas de monitoramento dos passageiros que desembarcam no Brasil, sobretudo àqueles oriundos de países com transmissão comunitária da doença ainda estão longe de nosso cotidiano, diferente do observado nos EUA, onde o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), monitora o problema em parceria com companhias aéreas e autoridades de saúde desde julho de 20216, no intuito de otimizar o contato com passageiros e outras pessoas que possam ter estado em contato com o vírus, durante voos ou antes do embarque.

Historicamente, o acesso aos serviços de saúde das populações amazônicas tem sido um desafio. Os cortes de recursos financeiros voltados ao Sistema Único de Saúde (SUS) nos últimos anos e o contexto da pandemia de Covid-19, tornaram a situação ainda mais dramática e desigual, pois ao passo que a pobreza e a fome se ampliam na região, novos desafios sanitários globais tornam a situação ainda mais injusta. Neste sentido, mesmo que o Brasil tenha capacitado outros países das Américas para o diagnóstico laboratorial da Monkeypox, dentro do seu território e por mais irônico que pareça, os testes padrão seguem centralizados em quatro laboratórios de referência, todos concentrados na região sudeste. 

Portanto, mesmo que o Ministério da Saúde alegue fazer “vigilância oportuna da doença”, o abrupto salto de casos nas últimas quatro semanas e a pouco transparente e irregular estratégia de apresentação de dados sobre a doença no país, mostra como estamos longe dessa aspiração, em especial na região norte que segue dependendo do sudeste para diagnósticos padrão e sem qualquer ação específica, tempestiva e eficaz para lidar com o problema, como, por exemplo, estrutura para diagnóstico local ou à busca ativa de casos na comunidade e rastreamento/isolamento de contatos, campanhas de orientação à população mais exposta e mesmo treinamentos diversos junto a trabalhadores de saúde. No fim de junho, por exemplo, ocorreu o massivo festival folclórico de Parintins no Amazonas, sem qualquer ação efetiva voltada à Monkeypox, independentemente do nível de gestão da saúde.

Seguimos sem respostas sanitárias de amplo alcance no país, sem sinal concreto de quando teremos dados públicos regulares e detalhados sobre a doença, de apoio substancial para novos estudos clínicos, de quando poderemos contar com oportuna e adequada comunicação de risco em saúde e vacinação de bloqueio contra a doença em grupos prioritários, seja com vacinas de primeira, segunda ou terceira geração ou até mesmo quando poderemos ter acesso a medicações específicas eficazes7, em cenário de expansão do problema e de rotineira negligência, sobretudo quando se trata de uma emergência sanitária global, carregada de estigmas lamentáveis não apenas em relação à injusta e danosa associação dos macacos com a doença (poderia ser chamada de “doença das bolhas”, respeitando as boas práticas para nominação de doenças em humanos), como também de suas principais vítimas, mas não exclusivas, adultos jovens  do sexo masculino e que tiveram contato físico ou íntimo próximo com infectados. Infelizmente, tudo se repete e pouco se aprende com emergências globais de saúde pública no Brasil e a monkeypox pode estar caminhando para o triste “armazém das doenças negligenciadas”.


Sintomas da doença

A Monkeypox é uma doença viral que causa erupções na pele do tipo bolha, bem como febre e inchaço de linfonodos (ínguas ou caroços), por exemplo. A transmissão ocorre por contato com fluidos corporais, lesões na pele ou superfícies de mucosas, como as de boca ou garganta, gotículas respiratórias e objetos contaminados, como os de uso pessoal (talheres, pratos, vestuário e roupa de cama e banho). O contato físico próximo com casos confirmados facilita o contágio. “Esta enfermidade também acomete gestantes, podendo ser transmitida através da placenta (varíola dos macacos congênita) e com consequências negativas tanto para a mãe como para o feto8. Até o momento, não há evidências definitivas de que o vírus seja transmitido por via sexual e mais estudos científicos são necessários, para além de duvidosas opiniões preliminares de autoridades sanitárias, de parte da imprensa e de visões explícita ou implicitamente estigmatizantes.

 Fonte: Amazônia Real.

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