Você finge que me ama e eu finjo que acredito

Durante as eleições presidenciais de 2002, quando a candidatura de Lula começava a dar pinta de vitoriosa, o dólar disparou, chegando a R$4,00. O risco Brasil bateu recorde: 2440 pontos. Hoje, o dólar está em torno de R$2,20 e o risco-país, de 400 pontos.
Naquela época, a posição do mercado ameaçava de tal forma a candidatura de Lula que, para acalmá-lo, o então candidato se viu obrigado a lançar uma Carta aos Brasileiros, na qual se comprometia a respeitar todos os contratos estabelecidos anteriormente. Ou, objetivamente: a não mexer na "política econômica" de FHC.
A partir daí, o Lula, que seria um leão, transformou-se num gatinho dócil. Usando as palavras do próprio presidente, ele, que nunca se adaptou ao macacão de metalúrgico, não necessitou de duas provas para sentir-se à vontade num terno.
Não será o mesmo que está acontecendo agora, só que com as mãos trocadas?
Antes do jabá dos Correios, onde um funcionário foi flagrado cobrando uma propina de três mil reais, Lula estava com a aprovação lá em cima. Sua reeleição era dada como certa. Mas o presidente respondeu mal ao problema, e este se transformou em um "escândalo".
Primeiramente, Lula disse que daria um cheque em branco a Roberto Jefferson. Depois, em Paris, declarou que o que o PT fazia era o mesmo que era feito pelos demais partidos.
A mídia não questionou nada disso, mas caiu de pau no presidente, dizendo que ele se elegeu - e o PT também - para "fazer diferente"... Portanto, em geral, caixa dois, "cooptação" de políticos, tudo isso foi aceito como "normal"...Mas não quando praticado pelo PT!...
Quando o presidente viu a crise bater à sua porta, tratou de dar inúmeras declarações, que funcionaram como uma Carta aos Brasileiros II, onde reafirmava que a política econômica era "imexível" (ah, como os governos diferentes são tão semelhantes em suas desculpas...).
O resultado disso tudo é que a crise arrefeceu. Afinal, já não se fala mais em impeachment do presidente, nem na Gamecorp, nas roupas doadas à primeira-dama, nos ternos doados ao presidente, nos cartões de crédito corporativos da equipe presidencial - com saques em dinheiro -, nos 29 mil reais que o Okamoto pagou ao PT pelo presidente, no fundo partidário usado para despesas com a família Lula...
A imensa pizza que parece estar sendo preparada para ser servida e a aparente vitória política do governo podem na verdade ser apenas isso: aparência. Porque o jogo político que está sendo jogado não é entre governo e oposição, ou entre PT e oposição ao PT, mas entre mercado e política.
A ingerência do mercado está tornando a política apenas um jogo de faz-de-conta. Na verdade, não interessa muito quem está ou estará na presidência, mas a prevalência da ótica do mercado sobre a ótica pública. Ou, quase o mesmo: da ética (ou falta dela) do mercado sobre a ética pública.
Prova disso é que na conferência Brasil Econômico 2005, em Washington, no final mês passado, nosso ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Furlan, eufórico com palavras elogiosas do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Snow, disse:
- Independentemente de quem ganhar a eleição presidencial do ano que vem, não haverá mudanças radicais na economia.
Como o ministro pode afirmar isso?
A resposta parece estar nas palavras de Murillo de Aragão, da Arko Advice. No mesmo evento, comentando a crise política atual, ele tranqüilizou os americanos:
- Não há tensão social, os mercados não foram afetados pela crise e não vão permitir que o Brasil se comporte como uma Argentina.
Taí a resposta. Agora a frase do ministro Furlan fica completa:
- Independentemente de quem ganhar a eleição, não haverá mudanças radicais na economia, porque os mercados não vão permitir.
Exatamente como aconteceu com Lula. Ele foi eleito presidente para efetuar mudanças. Mas o mercado não permitiu. E continua a não permitir. Com a crise política na porta do Palácio do Planalto, o presidente é refém da economia.
Refém do mercado.