Entrevista de Temporão à Folha de S. Paulo

FOLHA - O diretor da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, Mark Smith, igualou o Brasil à junta militar da Tailândia. O que o sr. achou da declaração?
JOSÉ GOMES TEMPORÃO
- Foi uma declaração grosseira e descabida, revelando inclusive uma profunda ignorância em relação a todo o processo no qual se deu o licenciamento compulsório. Caberia a ele a pergunta: qual mistério faz com que se venda esse produto 60% mais barato a um país governado por uma junta militar e 60% mais caro para uma democracia robusta como é a do Brasil?

FOLHA - Ele também alega que o governo não deveria ter interrompido as negociações.
TEMPORÃO
- Isso é uma inverdade. Na realidade, a empresa demonstrou nunca querer negociar com o governo brasileiro. Em sete reuniões, o único desconto oferecido foi de 2%. Depois que publiquei a portaria de interesse público para o licenciamento compulsório, aí sim, houve a proposta de 30%. O ministério considerou insatisfatória e respondeu que não tínhamos mais interesse em sentar para conversar, mas que aguardávamos uma resposta séria e consistente dentro do prazo.

FOLHA - O laboratório achou que o governo estava blefando?
TEMPORÃO
- O Brasil mudou. O governo é sério, coloca o interesse público e a saúde acima de qualquer questão. Se o laboratório fez essa avaliação, errou grosseiramente. Por parte da Merck houve sempre intransigência, pouca seriedade e pouco profissionalismo. Inclusive houve um problema de falta de qualidade dos executivos brasileiros da Merck, que nunca levaram a sério nossa proposta e nunca nos trataram com a seriedade que o Brasil merece.

FOLHA - Os investimentos serão afugentados?
TEMPORÃO
- Todos os nossos dados mostram o contrário. O mercado brasileiro está entre os dez maiores no mundo, movimenta US$ 10 bilhões por ano e está em crescimento.

FOLHA - O Brasil quer investimentos, mas não exploração?
TEMPORÃO
- Exatamente. Queremos regras justas, preços justos e uma relação transparente.

FOLHA - E o efeito negativo em investimentos em pesquisa?
TEMPORÃO
- Tenho dados demolidores. A Merck usa 20% de seu faturamento mundial em pesquisa e desenvolvimento, quase US$ 5 bilhões por ano. No Brasil gasta apenas 0,7%.

FOLHA - A Câmara de Comércio também disse que o Brasil pode sair do Sistema Geral de Preferências, um programa de benefícios fiscais [pelo qual o país exporta US$ 3,5 bilhões aos EUA].
TEMPORÃO
- Isso é uma visão específica desse senhor, ele não fala em nome do governo americano. Não há indicação longínqua de que isso possa acontecer. Há uma tentativa de desqualificar e aproximar a decisão do governo brasileiro à pirataria e à quebra de patente. A decisão do Brasil está totalmente dentro da legalidade. São argumentos altamente ideologizados, uma postura política de retaliação.

FOLHA - A Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) disse que o genérico da Índia não tem qualidade e pode encurtar a sobrevida de pacientes de Aids em até dois anos.
TEMPORÃO
- É mentira. Temos documentos da Organização Mundial da Saúde que garantem a qualidade dos genéricos. É mais uma declaração irresponsável que cria um clima de insegurança para os pacientes.

FOLHA - Alguma chance de voltar à mesa com a Merck?
TEMPORÃO
- Por enquanto, silêncio total. Já estamos fazendo o processo de compra dos genéricos.

O ministro da Saúde José Gomes Temporão está dando um show em seus primeiros dias de governo. Trazendo para dentro do ministério assuntos quentes e polêmicos, como a descriminalização do aborto e agora, na prática, quebrando a patente do principal remédio do coquetel ainti-HIV. É voz discordante num governo em geral conciliador.

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