'Ao dar a Google e Facebook o controle do presente, estamos lhes cedendo a liberdade de decidir nosso futuro'



Jonathan Taplin é diretor emérito do Laboratório de Inovações Annenberg da Universidade do Sul da Califórnia e autor de "Move Fast and Break Things: How Google, Facebook and Amazon Cornered Culture and Undermined Democracy". Taplin escreveu um artigo, publicado ontem na Folha. Reproduzo alguns trechos a seguir. A íntegra na Folha.

O Google processa mais de três bilhões de buscas por dia. Alterou nossas noções de privacidade, rastreando o que compramos, o que procuramos na internet e até nossa localização física em todos os momentos do dia. Toda empresa que quiser obter dados da demanda de consumo on-line dos mercados de massa sabe que o sistema é o portal.
O fato é que é um monopólio, com quase 90% da publicidade do setor, fato dado como certo e que todos nós já aceitamos. O mundo é do Google; nós só vivemos nele. É por isso que é tão importante saber como a companhia trabalha, quem contrata, quem demite e por quê.
Quando uma empresa conquista tamanho grau de dominância, passa a dar o tom de toda uma era.
(...)
Os efeitos do lado mais sombrio da cultura da tecnologia se estendem muito além do Vale, começando com a relutância em controlar as notícias falsas ("fake news") e o sexismo generalizado que, sem dúvida, contribui para as diferenças de renda entre os gêneros, mas que, em breve, deve envolver o cerne do negócio do Google: o capitalismo de vigilância. A filosofia do "se você não paga, não é cliente, é produto" já existe há um tempo, só que agora a União Europeia aprovou a Lei de Proteção de Dados Gerais, que entrará em vigor em maio do ano que vem. A legislação pretende dar aos membros do público mais controle sobre os próprios dados, de modo que os sistemas de busca não possam segui-los o tempo todo quando estiverem on-line - ou seja, será uma flecha certeira na base do negócio do Google.
Temos a obrigação de ficar de olho nos valores daqueles que administram o Google porque demos ao conglomerado um controle enorme sobre nossas vidas e as vidas de nossos filhos. Como o ex-especialista em ética da própria empresa, Tristan Harris, observa: "Sem pensar nas implicações, um grupo de líderes do setor montou o sistema mais centralizado e invasivo de desvio de atenção jamais criado, ao mesmo tempo em que dá meios para que instrumentos cuidadosamente engendrados (aplicativos viciantes, bots, governos estrangeiros) sequestrem nossa atenção para fins manipulativos."
As implicações futuras de permitir a meia dúzia de companhias tamanha influência em nossa atenção e comportamento só estão começando a ser sentidas; a ascensão da inteligência artificial, combinada com a onipresença do Google em nossa vida é uma questão que ainda não foi bem compreendida por políticos e agências reguladoras
Lentamente, os EUA estão despertando, cultural e politicamente, para o fato de que nossa economia é controlada por algumas poucas empresas de tecnologia. Sabemos que estamos sendo levados por homens como Peter Thiel e Jeff Bezos em direção a um futuro que será melhor para eles. Para nós também? Não sabemos.
Como George Packer, escrevendo para a "New Yorker", em 2011, colocou: "Na utopia tecnológica de Thiel, alguns milhares de americanos talvez possuam carros dirigidos por robôs e vivam até os 150 anos, enquanto milhões vão perder o emprego para computadores muito mais rápidos e eficazes e morrer aos 60."
Não se sabe como, mas os cidadãos foram deixados de fora da discussão do próprio futuro. Uma vez que ferramentas como o Google e o Facebook se tornaram tão essenciais e quase não temos escolha no fato de usá-las ou não, precisamos parar e pensar no papel que desempenham em nossas vidas.
Ao dar a empresas como o Google e o Facebook o controle do presente, estamos lhes cedendo a liberdade de decidir nosso futuro. 

Google e Facebook são um risco para a democracia e a comunicação livre.



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