Quer trabalhar no Facebook? Tudo o que há de pior no Facebook, 8 horas por dia, por um salário mínimo


Zuckerberg faz discursos para um mundo melhor, defende que o Facebook aproxime pessoas em direção a essa meta. No entanto, expõe seus funcionários, que pelo mundo analisam conteúdo postado na plataforma, a imagens cruéis, violência e agressões, por um salário mínimo - isso na empresa que tem entre seus donos três dos homens mais ricos do mundo...

Um brasileiro teve a experiência de ser um dos analistas de conteúdo do Facebook e reportagem publicada pela Folha mostra uma realidade bem distante dos discursos de Zucka.


Grupo de amigos incendeia cachorro de rua com isqueiro. Adolescentes são forçados a fazer sexo oral mútuo em acerto de contas do tráfico. Menina com lâmina de barbear anuncia suicídio em vídeo ao vivo. Recém-nascido é espancado por parente no berço. Vaca é despedaçada viva em moedor gigante de madeira.
Tudo o que há de pior no Facebook durante 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, em troca de um salário mínimo. O brasileiro Sergio, que pede para não ser identificado, viveu essa rotina por um ano, até abandonar o emprego de revisor de denúncias sobre violência e ódio em português na rede social —e se tornar uma pessoa mais "fria e insensível" na vida offline.
"Eu via vídeos ao vivo para checar se alguém se mataria", diz ele, cuja função era decidir o mais rápido possível se publicações agressivas eram toleráveis ou passavam dos limites estabelecidos pelo Facebook.
Em seu escritório, a meta para cada revisor era avaliar, por dia, 3.500 fotos, vídeos e textos denunciados. Mais de 7 por minuto, ou um a cada 8,5 segundos.
"Impossível não ter erro humano nesse ritmo", diz Sergio, que hoje trabalha como freelancer e decidiu apagar seus rastros na rede social depois de a conhecer "por dentro".
Na semana em que Mark Zuckerberg anunciou a contratação de 10 mil novos funcionários diretos e indiretos para funções como a desempenhada por Sergio, a rotina do brasileiro em uma espécie de call center digital ilustra o desafio enfrentado pelo Facebook para conter milhões de demonstrações explícitas de violência com consequências cada vez mais dramáticas - do incentivo a suicídios infantis a ameaças à segurança nacional do país mais rico do mundo.

Sonho e Realidade

Para além da frieza dos robôs e relatórios, a experiência do brasileiro traz luz ao trabalho daqueles que ocupam funções de base em empresas terceirizadas pelo império de Mark Zuckerberg - com relações de trabalho bem diferentes do clichê de escritórios descolados, do Vale do Silício, com montanhas de M&Ms e cachorros-quentes à disposição das equipes.
Em um prédio com longas bancadas de computadores distribuídas em vários andares, Sergio e aproximadamente 500 colegas do mundo inteiro passavam dias avaliando denúncias sobre pedofilia, nudez, necrofilia, suicídios, assassinatos, assédios, ameaças, armas, drogas e violência animal publicadas em mais de 10 idiomas.
Segundo o ex-funcionário, nestes centros de revisão da rede social mais usada do planeta, celulares são proibidos, pausas para comida ou banheiro são monitoradas e contratos de trabalho preveem multas e processos judiciais contra vazamento de informações.
"Era como um grande call center, sem os telefones. A gente estava ali para atender ao cliente: no caso, o Facebook e todos os seus usuários", diz.
Em seu computador, Sergio tinha acesso a uma linha do tempo "alternativa" que exibia apenas as postagens alvo de denúncias de usuários, de forma aleatória, junto a um menu sobre possíveis violações.
Os moderadores só visualizam o nome do autor das publicações e não têm acesso a seus perfis completos. Sua missão é apagar, ignorar ou encaminhar a publicação para a avaliação superior - o que ocorre especialmente em casos de suicídio ou pedofilia, que por sua vez são encaminhados a autoridades.
As decisões, pautadas por políticas internas da rede social, servem para "educar" os algoritmos, que com o tempo repetem as respostas automaticamente, por meio de recursos avançados de identificação de rostos ou frases ofensivas.
"Quanto mais ensinávamos o algoritmo, menos nos tornávamos necessários. Nosso trabalho era tornar o nosso trabalho obsoleto", diz Sergio.
O brasileiro também pede sigilo sobre a cidade onde trabalhava, mas conta que o Facebook escolhe locais com alto fluxo de estrangeiros, onde é fácil encontrar pessoas fluentes em diferentes idiomas.
Os revisores de conteúdo são normalmente jovens profissionais que vivem no exterior ou que não encontram trabalho em suas áreas. A rotatividade é alta e a maioria não completa um ano no posto.
(...) Os dados mais recentes do Facebook apontam que a rede exclui quase 300 mil publicações por mês. Entre os brasileiros, segundo o ex-revisor, boa parte dos conteúdos denunciados são casos de nudez.
"Ver conteúdos fortes todos os dias te faz perder a sensibilidade para certas coisas. Especialmente em relação à nudez - eram tantas selfies de gente nua, closes em pênis, vaginas e mamilos, que a pornografia perdeu a graça", afirma.
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Ele conta que o que mais chocava os colegas era a crueldade de publicações com agressões a animais. "Num deles aparecia uma máquina de matadouro, com uma corda que girava presa a um motor e tinha uma vaca amarrada em uma das pontas. A corda a puxava e ela era despedaçada viva", diz.
A exposição excessiva a imagens violentas já levou moderadores do Facebook a desenvolverem distúrbios de ansiedade, problemas sexuais e pânico, segundo jornais estrangeiros.
O brasileiro, no entanto, diz que era afetado em menor grau pelas imagens.
"Primeiro, porque nasci no Brasil, e nossas referências sobre violência tendem a ser mais agressivas que as de colegas europeus, por exemplo", afirma.
Ele continua: "Depois, porque eu via todos os dias vídeos de brutalidades contra crianças, minorias e bichos, e a gente acaba se acostumando com imagens gráficas. Para mim, a crueldade humana em termos de palavras, apoiando agressões, pregando ódio, rindo de vítimas em comentários e compartilhamentos, era sempre muito pior".
Os traumas levaram Sergio a apagar definitivamente deu perfil no Facebook.
"Para não ficar preso nas bolhas, nas câmaras de eco onde as pessoas só ouvem as próprias vozes e as de quem concorda com elas, eu decidi me isolar", conta o brasileiro."Eu não queria me tornar uma daquelas pessoas que apareciam nas denúncias." [Leia íntegra na BBC Brasil]

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