'Atribuir a boçalidade da extrema direita à paranoia de tiranetes a la Bolsonaro é meia verdade; o radicalismo reacionário se espalhou pelo planeta'

O jornalista Mario Sergio Conti comenta dois filmes da Netflix, em sua coluna na Folha, que mostram que a disseminação da ignorância e do ódio pela extrema direita ganha espaço no mundo. 
 
É verdade que eles têm sofrido derrotas. A maior delas a de Trump, nos Estados Unidos. No entanto, lá a derrota não foi total, pois mantiveram intactos os diretos políticos de Trump, que segue manobrando para sua volta ao poder.
 
No Brasil não podemos cometer o mesmo erro. Precisamos eleger Lula e botar na cadeia todos os criminosos. A começar pelos denunciados na CPI da COVID. Ou eles vão continuar conspirando e inspirando terroristas, cujo objetivo não é construir nada, apenas destruir como estão fazendo com o Brasil.
 
Eis a coluna de Conti:

Dois filmes na Netflix, o norueguês “22 de Julho” e o polonês “Rede dr Ódio”, contam como a extrema direita destrói e mata. A incitação que ela faz na internet não é tagarelice aloprada e, por isso, inócua. Seu objetivo é organizar o emprego da força, levar a cabo atentados terroristas.

Mais dramáticos que abertamente políticos, os filmes têm a sintaxe eficaz do cinemão internacional –“22 de Julho” foi dirigido por Paul Greengrass, da trilogia “Bourne”, e “Rede de Ódio” é de Jan Komasa, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro por “Corpus Christi”.

Como os ultrarreacionários brasileiros macaqueiam os da calota norte, os filmes são um alerta para os riscos que corremos. Aqui, o Estado é encimado por um terrorista que planejou atentados a bomba —e ganhou tapinhas nas costas de um Exército que sempre agasalha bestas-feras.

O filme “22 de Julho” é um docudrama colado na realidade. Com minúcia aflitiva, reconstitui o massacre na ilha de Utoya, cujo décimo aniversário foi nesta quinta-feira. O direitista Anders Breivik primeiro detonou uma bomba na frente da sede do governo, matando oito pessoas.

Com o caos em Oslo, ele seguiu para a ilha de Utoya, onde quase 600 adolescentes participavam de um acampamento da Liga dos Jovens Trabalhistas, o braço juvenil do PT de lá. Disfarçado de policial, Breivik gritava ao atirar “marxistas, vocês hoje vão morrer!”. Matou 69 adolescentes.

O filme enfoca três pessoas. Um jovem que levou cinco tiros, um deles na cabeça, e teve um pé estraçalhado. O advogado que por dever de ofício defende o homicida. E Breivik, o fanático. Eles simbolizam as vítimas, as instituições e a extrema direita.

O adolescente sofre para superar seus traumas. Debate-se entre depor no julgamento do algoz e a vontade de lhe esmigalhar o crânio. O advogado, militante trabalhista, encarna a razão iluminista, para a qual os princípios são imperativos mesmo quando se tem de defender um monstro.

Quanto a Breivik, ele não é um doido manso: baba ódio. Vê o mundo como um amálgama de conspirações. Fantasia um passado delirante. Não quer uma nova sociedade, e sim destruir a existente, derramando o sangue que for necessário.

O extremista tem até um guru, um Olavo de Carvalho que se acha um templário em guerra santa contra fantasmas comunistas. Breivik é niilista como Bolsonaro e sua corja. Qual é a utopia deles? Um país agropastoril onde farão tiro ao alvo em marxistas culturais.

“Rede do Ódio” é uma ficção que expõe o modus operandi da extrema direita. Seu protagonista, Tomasz Giemza, é expulso da Universidade de Varsóvia por plágio. Marqueteiro e hacker, ele se emprega num gabinete do ódio, dedicando-se a enxovalhar inocentes.

O cínico Tomasz compartilha com a extrema direita a raiva de intelectuais, que puniram sua fraude arrivista. O ressentimento com os liberais que o olham de cima. O rancor provinciano contra os que dão bem na metrópole. O uso da tecnologia de ponta para embalsamar o arcaico.

Tomasz, em suma, é um Carluxo: melífluo, ardiloso, manipulador, dissimulado e vingativo. Eles só se opõem na estampa. O malandro polonês é um espoleta mirrado e ágil. O Mandrake das Vivendas da Barra pesa dez arrobas, é mal-encarado, porcino, letárgico.

Tomasz manipula tanto —finge que é homossexual para embaraçar um liberal, transa com a chefa que podia ser sua mãe, chantageia um mafioso— que induz um maníaco por games a perpetrar uma carnificina no comício de um candidato a prefeito, matando dezenas de pessoas, inclusive o político.

“Rede do Ódio” foi premonitório. Dias depois do fim das filmagens, o prefeito de Gdansk, Pawel Adamowicz, patrono da parada gay da cidade e saco de pancadas dos direitistas, foi morto num comício. A estreia do filme foi adiada devido à polarização da Polônia.

Atribuir a boçalidade da extrema direita à paranoia de tiranetes à la Bolsonaro é meia verdade. A verdade inteira está nos dois filmes: o radicalismo reacionário se espalhou pelo planeta. Ele é produto do modo como o mundo —capitalista em todos os quadrantes— gira em falso e gera catástrofes.

Nenhum país é uma ilha, mas todos têm especificidades. No Brasil, a concentração do capital arrebenta pequenas empresas. A desindustrialização e a tecnologia desempregam e subempregam. O torvelinho da política oficial é estéril. O fascismo saiu da latência e late.

Sair do colapso será duro. Antes de tudo, porém, o mais urgente é barrar os atentados e mortes que a extrema direita articula.





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