Trecho 'esotérico-sexual' do romance Madame Flaubert, de Antonio Mello

Publico a seguir um trecho —o capítulo 20 da primeira parte— de meu romance Madame Flaubert, publicado em 2013 pela Publisher, de Renato Rovai.

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20.

Lauro F. é químico, e trabalhou unicamente, desde que saiu da faculdade, na estatal Upabrás. Tem 52 anos, dois filhos, esposa, e uma vergonha enorme da vida que viveu até cinco anos atrás, quando se aposentou. Nesse dia, avisou à mulher que o marido, o cidadão exemplar e certinho, aposentava-se junto com o químico. Correria atrás de seus sonhos, fossem eles quais fossem - até isso era preciso descobrir, tantas concessões havia feito. Matriculou-se em todos os tipos de cursos: fotografia, gastronomia, teatro, magia, acrobacia, desenho, astrologia, teledramaturgia - onde conheceu o grupo de “roteiristas”. Procurou-se em várias terapias, muitas ao mesmo tempo: bioenergética, neurolinguística, psicanálise individual e de grupo. Visitou templos. Fez viagens e teve experiências esotéricas. Acabou, ao fim de tudo, montando em segredo - ninguém, nem sua mulher sabe disso - um pequeno consultório, numa pequena sala, num centro médico em Botafogo, onde se transformou em Ananda, por ele mesmo definido como um "massagista esotérico-sexual, que transforma as potencialidades erótico-religiosas em ação". Sua clientela é, em sua maioria, formada por mulheres de classe média, média alta e alta, casadas, idade entre 35 e 50 anos.

        Madame B. é uma delas. E esta noite ela está particularmente tensa, necessitando da massagem de Ananda. Deveria ter ligado para Marina - aliás, o marido tem certeza de que ela já o fez. Mas, e a coragem? Como falar com Marina sem sentir-se humilhada, apequenada? Precisa dessa massagem. Amanhã pela manhã sim, já completamente refeita pelas mãos mágicas de Ananda, pegará o telefone e ligará para a casa dela. 

        Com esses pensamentos, Ema entra no pequeno consultório de Ananda, decorado com aqueles objetos comumente encontrados em lojas de artigos indianos: imagens de Buda, Krishna, incensórios, cristais... Após tirar toda a roupa, cobrir-se com uma toalha branca e deitar-se de bruços sobre uma maca coberta por uma colcha com motivos orientais, ela busca relaxar, enquanto aguarda a entrada do massagista. Conta que, hoje, como das vezes anteriores, a massagem lhe devolva a tranquilidade e a firmeza necessárias para continuar suportando tudo. Tem uma confiança, mais que isso, fé, em Ananda. Que ele seja Lauro F. e faça parte daquele "grupo de bêbados e desocupados, que você chama de roteiristas" - na análise cruel que várias vezes externou ao marido -, madame B. não sabe ou suspeita - no que, aliás, não está sozinha. Nem à própria esposa Lauro F. informou sobre a existência de Ananda.

        Uma música suave, o som de uma cítara, inunda o ambiente. Ananda entra, concentradíssimo, as mãos postas junto ao peito nu. A melhor maneira de descrever sua indumentária é associá-la a uma outra: veste-se, unicamente, com um fraldão de neném, com a estranha peculiaridade de um rubi - ou a imitação de um -, do tamanho de uma noz achatada, com aproximadamente cinco centímetros de diâmetro, encravado bem no fim da coluna cervical, um pouco abaixo, exatamente sobre aquele lugar em que você está pensando. Ele aproxima-se de Ema e começa a emitir uns sons indecifráveis, como os de um mantra oriundo de outro planeta, enquanto retira a toalha branca, admira aquele corpo nu à sua frente e passa a massageá-lo.

        — Ah, Ananda, sua massagem é divina! - madame B., sem ao menos se virar para certificar-se de que era o próprio. Se um estranho entrasse na sala e começasse a manuseá-la, ela provavelmente não notaria.

        Ananda começa a massagear a bunda ainda rija de madame B.

        — Quando eu passo as minhas mãos por essas suas duas montanhas, Ema, me sinto como um esquiador... um esquiador ferido que descesse suas montanhas de neve... Você tem o corpo tão frio!... E eu estou ferido e excitado, descendo suas encostas... e com meu sangue, que escorre do ferimento, vou esquentando seu corpo... lentamente... Lentamente a neve começa a se derreter... e o esquiador vai caminhando por suas costas... até o pescoço... e volta novamente aqui ao Muladhara Chakra, no fim da coluna cervical, para estimular a sua Kundaline, a energia feminina que distribui energia para todos os outros chakras... Por isso eu uso esse rubi aqui atrás... o rubi e o dourado são as cores da energia desse chakra...

        — Você acha mesmo o meu corpo frio? - ela, sem virar-se, nunca olhando para ele, como se aquela voz e aquelas mãos fossem parte de sua fantasia.

        — O Muladhara Chakra se relaciona à vida sexual e à vida material... você se preocupa muito com um aspecto e abandona o outro... O meu trabalho é estimular esse aspecto abandonado, por isso o esquiador dá seu sangue para Kundaline... e a neve se derrete... e o corpo fica quente...

 



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