O Amor tem dessas coisas (5). O Voyeur e a Exibicionista, parte 2

(Para ler a primeira parte do Voyeur e a Exibicionista, clique aqui)

Não custou a incendiar aquela junção entre fogo e gasolina. O voyeur e a exibicionista pareciam feitos um para o outro. Mas não era uma paixão cheia de beijinhos e palavras fofas, como nas sessões da tarde. Nem uma sessão caliente de um pornô tropical das madrugadas.

Havia sexo, claro. E muito. Mas o que os encantavam eram as preliminares, que vinham desde uma escolha de roupa num shopping até o despir-se dessa mesma roupa e os caminhos percorridos pelo olhar dele e pelo gestual dela.

Como eram proprietários de seus apartamentos, decidiram por viverem um tempo em cada apê. Mas isso não durou, porque ela reclamava a ausência dos produtos de beleza e vestuário de sua casa. Decidiram-se então pelo apartamento dela.

Às vezes ela o surpreendia fumando na janela observando o próprio apartamento lá em cima, vazio. Seria alguma nostalgia? Ele jurava que não, apenas fumava.

E faziam compras. Era o programa preferido deles. Após o trabalho, em vez de ir para casa, ela ia se encontrar com ele num shopping. No início, o mesmo; depois, os mais variados.

Ela experimentava roupas. E ele a admirava. Às vezes ele mesmo escolhia as lojas, que havia pesquisado mais cedo, e a surpreendia com um vestido ousado ou uma lingerie sensual. Tudo pelo prazer de vê-la despir-se, vestir-se e novamente despir-se, o que alegrava os dois e alimentava as fantasias que realizavam na cama.

Nunca falavam de seus empregos ou vida pessoal. Não havia um antes para o voyeur e a exibicionista, mas apenas o momento presente em que viviam e curtiam o espetáculo de se exibir e de observar.

Ela às vezes pedia para que saísse do quarto, queria vestir-se sozinha e fazer uma surpresa. Ele não ficava contrariado, embora seu grande prazer fosse observá-la. Mas, dono de poderosa imaginação, ia para a janela, de lá observava seu quarto solitário lá em cima, e se imaginava fumando, não no quarto dela, mas lá, e observando a janela dela com o coração na boca, aguardando que ela aparecesse para o espetáculo da noite.

Quando ela aparecia, pronta, ele sempre aprovava o que via, pois pareciam mesmo feitos um para o outro, tão grande a complementaridade dos gostos e desejos. Iam a um restaurante, jantavam alguma coisa rápida com umas taças de vinho e voltavam logo para o que lhes dava mais prazer: a exibição e a contemplação.

Nas vezes em que iam à praia havia um ritual: ela nunca mostrava o biquíni ou maiô, até a hora em que retirava a roupa já na praia, sempre na contraluz, pondo-se entre ele e o Sol, para surpreendê-lo com o modelo que havia escolhido.

Ela ia mergulhar e ele a observava se afastando em direção ao mar. O andar, o movimento do corpo e dos cabelos, geralmente balançando com a brisa, até a ponta do pé na beira da água para medir a temperatura, o caminhar para o fundo com os pequenos gestos dos braços pra cima em reação à temperatura da água, até que ela mergulhava e voltava esplendorosa, com os longos cabelos molhados e o rosto cheio de pequenas gotículas salgadas que ele adorava beijar.

Ah, o cheiro do mar era mais gostoso no corpo dela, e ele não cansava de admirar cada pequeno gesto, o pente deslizando pelo cabelo, o retoque preciso do batom, que ela sempre fazia questão de dar. E tudo aquilo corria, como o rio para o mar, em direção ao quarto, quando chegavam em casa ainda com o mar nos corpos, salgado como nossos líquidos.

Até que um dia ela chegou mais cedo do trabalho, entrou em silêncio para fazer uma surpresa e o surpreendeu no computador, com fones no ouvido, observando o que lhe pareceu ser uma mulher nua, já que a posição da tela não dava uma visão perfeita.

Surpreso, ele fechou a tela do notebook. Não houve briga. Apenas uma discussão que pôs fim a tudo. A mulher nua da imagem era ela mesma e ele se disse ofendido com a desconfiança dela. Confessou que havia colocado uma câmera escondida para flagrá-la longe do olhar dele.

Por sua vez, ela não gostou da apropriação de sua imagem sem seu consentimento. Não gostou também de ele admirar a imagem virtual tendo a possibilidade de dispor da real.

Ele disse que, ao contrário dela, que gostava de ser vista, ele preferia a solidão do observador e sentia necessidade de um pouco de privacidade. E também que parte do seu prazer estava em observar sem que a outra pessoa soubesse estar sendo observada.

Ela também requisitou privacidade, pois se sentia observada o tempo todo, até quando não estava presente, como quando o surpreendeu no computador olhando suas imagens.

Foi assim que o voyeur e a exibicionista decidiram se separar. 

O amor tem dessas coisas.

(na semana que vem, a terceira e última parte)

*Crônica publicada em parceria com a Revista Fórum


Assine e apoie o blog que resiste há 18 anos, direto do Rio remando contra a maré.
Se preferir, faça uma doação via PIX para blogdomello@gmail.com

Assine o Blog do Mello