A maior distância entre as pessoas não é aquela medida por centímetros, metros ou até quilômetros, mas, às vezes, por alguns poucos segundos.
Por exemplo: o garçom acaba de conduzir a uma mesa um jovem, e ele se sentou bem diante de uma cadeira vazia onde, há poucos segundos, estava sentada uma loura angustiada, mais ou menos da idade dele. Se ele chegasse antes, ou ela tivesse esperado um pouco mais para se levantar e finalmente sair após ter pago a conta, os dois poderiam ter se encontrado e... quem sabe...
O jovem ainda deve poder sentir o perfume dela e compartilhar algumas de suas células presas ao guardanapo que o garçom descuidado ainda não recolheu da mesa, mas ela, que estava bem ali diante dele, não está mais. Estão imensamente separados, embora a distância entre as duas cadeiras não seja maior do que um metro...
Sobre isso divagava o homem sentado algumas mesas atrás do jovem, "na mesa em que Tom Jobim costumava sentar" no antigo Veloso, atual Garota de Ipanema, bar na esquina da Vinícius de Moraes (à época, Montenegro) com Prudente de Moraes, em Ipanema. A mesa é outra, o bar mudou, mas o canto em que Tom costumava ficar era aquele. Ele era um frequentador tão habitual do Veloso que Frank Sinatra, quando quis se comunicar com ele e convidá-lo a participar de seu disco — o que aconteceu —, ligou para o Veloso e, bingo!
Pensando nessas aproximações e distâncias, num domingo ensolarado — tão diferente deste de hoje, nublado e chuvoso —, o homem saboreia seu chope, quando se encanta com a chegada de uma linda mulher. Ela certamente estava fazendo uma corrida na praia, talvez um hábito de seus domingos, e resolveu, para sorte do divagador, sentar-se no Garota de Ipanema, algumas mesas à frente dele, que a observa.
Como é linda, ele pensa. Uns 30, no máximo 32 ou 33 anos, morena, olhos claros (como a Lígia real — a da canção tem "olhos castanhos"), ela pede uma água ao garçom e confere o celular, enquanto aguarda.
O homem pensa que se ela tivesse chegado ao Garota de Ipanema — não, ao Veloso! — em 1968, poderia ser a inspiração de Tom para compor Lígia (se seu nome por coincidência for esse) ou então a canção teria outro nome, porque certamente ela não passaria despercebida por Tom. O espaço é o mesmo, mesmas as coordenadas, mas 55 anos os separam.
O garçom chega com a água e a conta (certamente a pedido dela), ela passa o cartão e bebe o conteúdo da pequena garrafa em pouco tempo, trocando apenas um pequeno e distraído olhar com "aquele velho" sentado na "mesa do Tom", preso ao ano de 1968, imaginando Lígia — ou seja lá qual for o nome dela —, iluminando seu domingo de sol. Em seguida, ela se levanta e sai, tão apressada quanto entrou.
O homem chama o garçom e pergunta o nome dela, se ele reparou no cartão. O garçom diz que não, que foi rápido, deu para ver apenas que era um nome curto terminado por um "i" e um "a". Seria Lígia?
Nesse instante, o som ambiente começa a tocar Lígia, numa dessas coincidências que só acontecem em crônicas preguiçosas ou comédias românticas. A Lígia que toca é a versão de Tom, gravada em 1974 no disco Urubu, e não a de João Gilberto, de 1975, que têm diferenças significativas na letra, inclusive de sentido e sentimento.
Tomado pela conjunção lugar-tempo, que o transportou ao Veloso de 1968, o homem gesticula ao garçom seu conhecido, em 2023, no Garota de Ipanema, e faz com o dedo indicador o gesto de que vai dar uma volta, e sai, cantando mentalmente a canção que diz que não gosta de sol, enquanto se dirige à praia nesse domingo maravilhoso de sol (o da crônica) para um mergulho e sonhar um pouco com a "sua" Lígia — ou seria Sylvia, ou Sonia o nome curto do cartão terminado em "ia"?
Na realidade, ele pensa, ela poderia ser filha da Lígia da canção, seja ou não essa Lígia a Lygia (com Y) Marina de Moraes, musa oficial da canção de Tom.
E com esse pensamento ("É filha de Lígia") ele decide "andar pela praia até o Leblon" com a "sua" Lígia, feliz:
"Eu nunca sonhei com você"...
*publicada em parceria com a Revista Fórum
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