O ano da morte de Amy Winehouse

Esta semana, mais precisamente no dia 14, foi aniversário de Amy Winehouse. Amy completaria 40 anos. Lendo uma notícia sobre o assunto levei um susto: Amy morreu em 2011! Como assim, 2011?! Isso dá 12 anos! Não é possível! Pra mim ela havia morrido no máximo há uns três ou quatro anos. Como assim, doze?!

A gente vai ficando velho e começa a entender, na prática, o que significa o espaço-tempo de Einstein. Por exemplo: eu me recordo quase como se fosse ontem de estar com minha filha, então pequenina, batendo na altura dos meus joelhos, me perguntando curiosa sobre uns produtos no mercadinho do Restaurante Natural, aqui em Ipanema.

— Papai, o que que é isso?

Eu respondia, por exemplo, lentilha, e ela se maravilhava pronunciando a palavra pela primeira vez: len-ti-lha. E arrematando: — Eu gosto disso?

Era uma época, ou seria o "Era uma vez" de todas as histórias, em que ela precisava perguntar a mim se gostava ou não de algo.

— Papai, e o que é isso? Girassol, filha. Não é uma flor? É a semente.

— Se-men-te — ela saboreava.

Ela, que já fora uma sementinha e que hoje tem 22 anos... E o tempo — como no poema de Sá-Carneiro, "cai sobre mim feito ontem".

Nessa relatividade do tempo, puxando e esticando sobre pais e filhos, eu me recordo de um  tremendo temporal na Gávea. Eu devia ter uns oito ou nove anos e estava com meu pai na janela do apartamento observando as ondas que se formavam na praça Santos Dumont, a praça em frente ao Jockey, onde morávamos.

Estávamos os dois, eu e meu pai, maravilhados com a chuva e as ondas, não como pai e filho, mas como duas crianças, que eu ainda era e descubro hoje que ele também.

Mais adiante outro maravilhamento, que já contei em algum lugar por aqui. Eu estava de carona num carro, em 1972, e o motorista era Eduardo Athayde, produtor do Tom Jobim. Ele nos botou para escutar uma fita cassete com Águas de Março, com ele ao violão, que seria lançada num disquinho inaugural de uma coleção do Pasquim.

Ninguém, a não ser os que haviam participado da gravação, escutara antes a genial junção de música e letra de Tom em Águas de Março.

É a música que mais amo (se tivesse que escolher só uma), e eu a ouvi ali, talvez como minha filha com as palavras novas que aprendia, ou os dois meninos — eu e meu pai — olhando a chuva da janela, de um tempo antigo e embaralhado.

É a tal curvatura do espaço-tempo, a quarta dimensão sacada por Einstein, que acrescentou às três dimensões anteriores o tempo.

Curvatura que, imagino, quando a gente envelhece, enlouquece nosso tempo, alongando e espremendo situações no teatro das memórias.

Li esta semana uma reportagem em que cientistas provaram que mesmo após dez minutos de um coração haver parado de bater — logo, parado de bombear sangue para o cérebro — este ainda armazena lembranças do que está acontecendo, o que é provado por relatos de pessoas que passaram por processos médicos de ressuscitação.

Talvez, no nosso final, a curvatura do espaço-tempo funcione quase como uma pinça, que faça o espaço-tempo se voltar sobre si e se comprimir, e comprimir todos os acontecimentos de uma vida, como acontece com toda matéria em volta de um buraco negro, sugada para seu interior.

Como acontece também com a formação das estrelas, que se condensam até ficarem maduras e brilharem, como o nosso Sol.

Mas, afinal, não está comprovado que somos 97% poeira de estrelas todos nós?

Os 3% restantes talvez sejam aquilo que existe no maravilhamento da filha com o pai no mercadinho, do pai com o filho na janela vendo aquela chuva, talvez de março, como a música ouvida pela primeira vez no tocador de cassete de um carro diante da praia da Araruama, num ano que só existe no número que o representa —1972 —, mas se dissolveu na memória.

De qualquer maneira, você não acha que Amy Winehouse morreu há bem menos tempo que os 12 anos do noticiário?

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