Peço permissão para contar 'una piccola storia d'amore', por enquanto 'senza amore', mas, quem sabe?...

Não se importa que eu conte? Então, permita que me sente. Obrigado. E não se preocupe com receio de que eu possa tomar muito de seu tempo. Serei breve, porque tudo é mesmo breve e novo, e está me acontecendo agora.

Estou aqui na Colombo, essa confeitaria tão tradicional que faz parte da história do Brasil, por um motivo que vou lhe dar a conhecer. 

Sou um tipo solitário, moro só há tanto tempo, que é como se fosse assim desde nascido. Por uma dessas peripécias, que alguns chamam destino, resolvi por curiosidade entrar num site de relacionamentos pela internet. A senhora já deve ter ouvido falar deles. 

Lá, fui atraído por uma senhora, que me encantou com as palavras que me dizia, e me fez sentir como se fôssemos almas gêmeas. 

Hoje, finalmente, vim aqui para encontrá-la, conforme havíamos combinado. Mas ela não apareceu. 

Fiquei sentado numa mesa ao fundo, cercado pelos espelhos da confeitaria, refletindo minha imagem solitária, quando, de repente, a ideia de múltiplos eus refletidos nos espelhos me remeteu a um conto maravilhoso do escritor argentino Julio Cortázar, que a senhora certamente conhece, não?

Não me recordo agora o título do conto, mas a trama se passa no bar de um hotel, ou num bar comum — conto de memória o que me ficou da história.

O homem se senta diante de um outro, como eu me sentei diante da senhora, e diz que tinha uma história para contar, exatamente como eu agora.

Diz então o homem que se descobriu simplesmente imortal. Sabia disso porque havia descoberto um acontecimento — aquilo que em física chamam de singularidade, se não me engano.

Um dia, contou ele, passeando na rua (não me recordo exatamente o local da ação) ele viu um garoto que era a exata cópia dele quando criança.

Tomado por um impulso incontrolável, seguiu o garoto, conheceu sua família, e viu que não eram parecidos apenas fisicamente. Eles compartilhavam acontecimentos em determinados momentos da vida. Por exemplo — vou insistir que conto tudo de memória — o menino quebrou uma perna com a mesma idade em que ele teve um outro problema de saúde.

Os acontecimentos nas vidas dos dois seguiam uma regra, apenas os fatos mudavam, adaptados ao meio e ao tempo.

Foi quando o homem entendeu — contava ele ao ouvinte — que somos eternos de um modo singular: desde a origem, nascemos e morremos, mas somos os mesmos. 

Fez até uma comparação para o homem que lhe parecia confuso. Disse que, por exemplo, o dono da padaria poderia ter sido anteriormente Napoleão. Teria vindo de baixo e a compra da padaria seria o momento de glória vivido pelo imperador francês. Mas que ele previa que o negócio iria por água abaixo, e um dia ele perderia a padaria e tudo e ficaria exilado na sua Elba particular — talvez um quartinho de um triste subúrbio.

Estava o homem então convencido de que aquele menino estar vivo sem que ele estivesse morto era um erro no mecanismo, porque ele deveria sucedê-lo e, não, jamais, ser seu contemporâneo.

Por isso, voltou o narrador, ele tinha a certeza de que era imortal. Pois o que seria seu sucessor teve um problema de saúde — exatamente como ele teve naquela idade — mas infelizmente não resistiu e morreu.

Agora, não tinha ninguém para substituí-lo, e isso lhe deu uma tristeza tão grande que nada parecia abrandá-la.

Até que ele viu uma magnífica flor amarela — agora me lembrei, o conto tem este nome, Uma Flor Amarela —  aquilo despertou a vida novamente nele.

E foi isso o que me trouxe à sua mesa. A senhora me permite a liberdade de chamá-la de "você"? Agradeço. Você e suas flores amarelas, seus generosos e belíssimos girassóis, me tiraram da tristeza em que me encontrava, ao perceber que a mulher com quem eu havia marcado o encontro não aparecera.

Mas, ao mesmo tempo — você me permita a franqueza —, sua beleza com os girassóis formaram um quadro tão vívido, que despertaram em mim o narrador de Noites Brancas, de Dostoiévski — que certamente a senhora conhece... Exatamente, como eu imaginava...

E eu me pego pensando se por um acaso a senhora — quer dizer, você — não seria a pessoa que eu estava esperando encontrar, e que me enganei ao pensar que não teria vindo, para que minha "piccola storia d'amore" não fique "senza amore". 

Posso pegar na sua mão?

 

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