'A Sociedade da Neve': Fotos da tragédia e entrevista com fotógrafo sobrevivente

"A Sociedade da Neve" é um dos filmes de língua não inglesa mais assistidos na Netflix no mundo. Atualmente ocupa a quarta posição, mas ainda não completou um mês de seu lançamento.

O filme conta a dramática história do acidente aéreo, em outubro de 1972, em que um avião da Força Aérea do Uruguai com 45 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulantes, bateu em trecho da Cordilheira dos Andes, a mais de 4 mil metros de altitude.

O filme conta a história de superação dos sobreviventes, que enfrentaram temperaturas abaixo de zero, feridos, sem roupas adequadas, sem mantimentos, sem medicamentos, durante 72 dias, de 13 de outubro a 22/23 de dezembro de 1972. Para sobreviver, tiveram de fazer a opção radical de comer a carne dos colegas mortos.

Antonio Vizintín é um dos 16 sobreviventes. Estudante de advocacia na época, ele bateu fotos durante o tempo em que estiveram na Cordilheira à espera de resgate, e contou seu drama à revista Trip, em 1972, de onde retiramos trechos. 


Quantas pessoas estavam no avião? Éramos 45 pessoas no total e logo na queda morreram 17 companheiros, restando 28. Durante nossa luta na neve, aos poucos foram morrendo outros. No final, sobraram só 16 de nós com vida.

O sofrimento foi maior com o frio ou com a fome? Tínhamos as roupas que usávamos normalmente, do tipo que usaríamos no Brasil ou no Uruguai. Colocávamos três ou quatro suéteres, quatro ou cinco pares de meias, duas calças, mas não tínhamos nenhuma roupa de neve. Outro problema é que tudo vivia molhado. Quando o sol saía, púnhamos tudo em cima do avião para secar. O frio era um problema, não o pior. O difícil da coisa é que não estávamos preparados para viver na neve.


Quando começou a faltar comida? Bom, o avião não tinha muita comida. Eram 28 pessoas vivas, no princípio começamos dividindo, um pedacinho de doce para cada um, pra fazermos uma boquinha. Uma tampa de desodorante de bebida, havia rum, e era só uma tampinha, eram 28 pessoas. Não havia muito, o tempo passou — isto foi antes da avalanche. Não havia nada para comer. Tinha uns estudantes de medicina que disseram que assim não sairíamos vivos. Mas antes de se chegar a essa decisão, discutimos a parte religiosa do assunto, teorias distintas, se era possível ou não. Um dizia que sim, outro dizia que não. Cada um com seu dilema, chegamos à conclusão de que era a última solução.

Quanto tempo demoraram para tomar a decisão? Horas, dias? Veja, creio que a decisão se deu... São coisas que vão acontecendo. Um dia alguém disse como uma piada, tipo, teremos que fazer a tal coisa... Depois vai mudando, o tempo vai passando, e o outro que diz, bem, temos que fazê-lo, não tem mais remédio. Os que tinham sido contra perceberam depois que não tinha jeito, era fazê-lo ou morrer.

Não tinham mais nada para comer? Uma das melhores coisas que tínhamos era pasta de dente, que era a sobremesa. Outra coisa deliciosa era tomar pós-barba, pelo álcool. Era tudo que tínhamos. Você pode dizer que não tomaria pós-barba. Eu aposto que sim, pelo álcool do produto. Foi chegando a uma situação que, de um dia pro outro, não tínhamos mais nada pra comer. 

A decisão partiu dos estudantes de medicina? Partiu deles, sim. Partiu deles e de alguns outros que foram conversando com os mais amigos sobre o tema. E depois se chegou a uma decisão conjunta.

E como fizeram isso, escolheram uma pessoa, um cadáver? Da primeira vez foi como, bem, um pequeno pedaço, como uma caixa de fósforos, alguma coisa assim. Você tem que sofrer um processo para poder chegar a isso, e depois era, bem, não era um cadáver, tampouco um amigo seu que havia morrido, era sua sobrevivência. Entre nós, depois que a coisa se estabeleceu, fizemos um acordo: se algum dos que estavam vivos morressem, os outros deveriam usá-los para sair vivos.


Quantos dias tinham se passado quando tiveram que começar a fazer isso, a comer os outros? Eu acho que depois de uns 15 dias. De 12 ou 15.

 
Então esta foi a razão direta da sobrevivência por 60 dias? Sim.


 

Fotos publicadas na BBC.

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