A sobrinha do Tio Paulo e o que não te contaram sobre seu passeio macabro

A imagem de uma mulher empurrando o corpo de um idoso morto em uma cadeira de rodas foi assunto em todas as rodas de conversa pelo Brasil.

No entanto, a primeira versão apresentada pela mídia, de que ela estaria tentando dar um golpe levando um idoso que ela sabia estar morto para sacar um empréstimo de que somente ela se beneficiaria, foi a que prevaleceu. E prevalece até hoje. O nome dela é Érika de Souza Vieira Nunes.

O Tio Paulo, Paulo Roberto Braga, e Érika viraram motivo de chacota e memes. Erika apontada como golpista, embora ninguém parecesse refletir que uma pessoa em sã consciência não levaria um defunto numa cadeira de rodas para assinar um empréstimo num banco. Porque morto não assina.

A realidade dos acontecimentos em resumo é que o Tio Paulo morava com a família de Erika desde sempre. Vivia de pequenos biscates até que recentemente conseguiu se cadastrar e passou a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), equivalente a um salário mínimo.

Há um tempo, Paulo teve problemas físicos e foi internado numa UPA. Desde então, não conseguia mais subir para o andar superior da casa onde convivia com a família. Ajeitaram uma cama na garagem da casa, onde passou a viver. Erika lhe levava refeições.

Até que Paulo decidiu pedir um empréstimo para fazer uma reforma na garagem e comprar móveis e uma TV, no dia 25 de março. Isso foi confirmado pelo pedreiro que executaria o serviço. O empréstimo foi concedido, mas Paulo teve problemas de saúde e precisou ser internado numa UPA por uns dias. 

Somente no dia 16 de abril, Paulo e a sobrinha Erika pegaram um carro de aplicativo para irem ao banco buscar o dinheiro.

Segundo depoimentos do motorista de aplicativo e de um motoboy que ajudaram a colocar Paulo no carro, ele estava vivo.

Mas as imagens que todos vimos, da entrada dele no banco na cadeira de rodas empurrada por Érika, e mesmo depois, quando ele não conseguiu assinar o papel do empréstimo, eram imagens de um homem morto.

Erika sabia disso e se trata de uma golpista? É a visão predominante, que a levou à cadeia por 16 dias, sendo recentemente liberada para responder ao processo em liberdade.

Se fosse golpista, teria que estar fora de si para achar que um morto assinaria um papel magicamente. O máximo que ela fez foi colocar a caneta entre os dedos dele.

No entanto, o delegado do caso, Fábio Souza, deu seu veredito sobre Érika, mesmo não sendo psiquiatra:

"Uma pessoa que tem problema psiquiátrico pode não entender que o tio está morto, mas, certamente, ela também não ia entender que tinha que pegar o dinheiro. A pessoa não pode ter uma consciência seletiva." 

Quem é Érika de Souza Vieira Nunes?

 

Érika de Souza Vieira Nunes é cabeleireira, mãe de seis filhos, um deles militar do Corpo de Bombeiros. Mora com quatro deles, sendo uma menor de 14 anos com problemas neurológicos, que necessita dos cuidados da mãe.

Dois laudos médicos, emitidos em anos sucessivos, apontam grave quadro de depressão e dependência química.

  1. 2022. Paciente faz abuso de Zolpidem e refere e de ação suicida e alucinações auditivas apresentando o quadro importante de desesperança e mais abaixo solicito avaliação de internação psiquiátrica
  2. 2023. Encaminho a paciente supracitada para internação por quadros de dependência química de sedativos e hipnóticos. No momento fazendo uso de quantidades muito altas de Clonazepam, o popular Rivotril.

Em 2024, Erika voltou a tomar Zolpiden, como declarou numa reportagem.

Zolpiden

Medicamento usualmente receitado para quem sofre de insônia, tem seu uso recomendado por período curto e em condições que devem ser respeitadas.

É recomendado, por exemplo, tomá-lo apenas já na cama, na hora de dormir e, de preferência, sem celular por perto, porque são referidos casos em que a pessoa "desperta" e faz uso do celular de maneira aleatória, já que ele pode provocar até alucinações.

Alguns trechos da bula:

Efeitos colaterais , geralmente em pacientes que tomam maior quantidade do que o recomendado [lembremos que um dos psiquiatras apontou no laudo que Erika fazia uso abusivo de químicos].

  • Sonolência, dor de cabeça, tontura, insônia exacerbada, amnésia anterógrada (os efeitos da amnésia podem estar associados a um comportamento inapropriado).
  • Alucinações, agitação, pesadelos.
  • Nervosismo, agressividade, desilusão, acessos de raiva, comportamento inapropriado, sonambulismo, dependência

No entanto, a Justiça aceitou a denúncia do MPRJ e tornou Erika ré por tentativa de estelionato e vilipêndio de cadáver. Ela é investigada também em outro inquérito por homicídio culposo — quando não há intenção de matar. 

Tudo como se ela tivesse plena consciência do que estava fazendo.

Além dos graves problemas psiquiátricos, que não foram levados em consideração, o julgamento de Erika pode ter sido influenciado por outros dois fatores que contam muito no Brasil: a cor de sua pele e sua classe social.



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