Impunidade de Bolsonaro pode ser lida pela população como atestado de que ele não fez nada demais. Artigo de Celso Rocha de Barros


Publico a seguir artigo do doutor em Sociologia Celso Rocha de Barros, publicado originalmente na Folha. Embora discorde em alguns pontos, como, por exemplo, onde o autor destaca como motivos de Bolsonaro ainda não ter caído o medo dos militares e a gratidão por Bolsonaro ter matado a Lava Jato. 
 
Não penso que haja medo dos militares - eles já estão no poder. E o fim da Lava Jato foi cantada no início, naquele famoso diálogo do Jucá, que falava em com Supremo, com tudo. 
 
A Lava Jato sempre foi uma farsa usada para tirar o PT do poder, como antes havia ocorrido com seu balão de ensaio, o "mensalão do PT" - outra construção que não parou de pé. 
 
O que mantém Bolsonaro no poder são a resiliência de sua popularidade, alimentada por uma mídia declaratória, e o Mercado com suas exigências por reformas e privatizações. Os bancos continuam lucrando barbaridades, mesmo com pandemia. 
 
Agora que parte do Mercado resolveu escrever manifesto com críticas, Bolsonaro começa a se mover, empurrado também pelo Centrão.
 
É preciso não esquecer outro importante fator: o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, um deputado sem representatividade, que não se portou à altura do cargo e ficou sentado sobre mais de 60 pedidos de impeachment do presidente, obedecendo determinação do Mercado.
 
O novo presidente da Câmara, Arthur Lira, já acendeu uma luz amarela para Bolsonaro. É da tropa de choque do Eduardo Cunha e Bolsonaro sabe bem o que isso pode lhe custar.
 
Ao artigo:
Quem deve ser preso por Bolsonaro estar solto?

Se eu fosse Jair Bolsonaro, também teria cortado o financiamento do censo demográfico. No ritmo atual, chegaremos a meio milhão de mortos causados pela pandemia no meio de junho. Se contássemos a população esse ano, talvez Bolsonaro se tornasse o primeiro presidente brasileiro a ter seus crimes mensurados pelo IBGE.

E, até agora, não aconteceu nada, absolutamente nada, com o presidente da República.

Não é só que Bolsonaro sofreu menos do que Fernando Collor ou Dilma Rousseff, presidentes que sofreram impeachment. Sofreu muito menos do que qualquer presidente desde a redemocratização. Nos governos Lula e FHC, para ficar nos dois mais bem-sucedidos das últimas décadas, ministros caíam por qualquer denúncia. CPIs eram fatos normais da vida política nacional.

Mesmo antes de discutir impeachment, as instituições poderiam ter dado tiros de advertência para Bolsonaro antes que o desastre se consumasse. Fizeram isso em todos os outros governos. Não fizeram nesse.

Poderiam ter cassado o mandato dos elementos mais extremistas do bolsonarismo. Ao invés disso, a deputada extremista Bia Kicis preside a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Em 2020, o filho mais radical do presidente, Eduardo Bolsonaro, disse em uma transmissão online que um golpe de Estado não era questão de “se”, mas de “quando”. Se o Congresso achava demais derrubar Bolsonaro por seu golpismo, podia ter cassado o mandato de seu filho, contra quem as provas eram absolutamente indiscutíveis.

Não fizeram nada. Eduardo Bolsonaro não sofreu qualquer consequência e ainda tem poder de veto na escolha de ministros da Saúde.

O ex-ministro e deputado Osmar Terra alimenta o Planalto com projeções falsas desde o início da pandemia e as divulga impunemente para o público. Depois do próprio Bolsonaro, é o principal responsável pelo desastre. Poderia ter sido cassado no início da pandemia como advertência ao Planalto. Não foi. Continua mentindo nas redes sociais.

Enfim, mesmo se as instituições quisessem evitar o trauma do segundo impeachment em quatro anos –o que já seria covarde, o impeachment em excesso foi o de 2016–, toda essa gente poderia ter sido derrubada como advertência a Bolsonaro. Em todos os governos anteriores, gente muito melhor caiu por muito menos.

Ninguém fez nada, por medo dos militares e por gratidão por Bolsonaro ter matado a Lava Jato.

Há quem diga que Bolsonaro será preso depois de deixar a Presidência em 2023. Não há como ter certeza de que vai perder: a população, inclusive, pode ler a impunidade de Bolsonaro como atestado de que ele não fez nada demais.

O adiamento da prisão de Bolsonaro causou as mortes da segunda onda. Quantos ainda vão morrer por um novo adiamento? Além disso, adiar a prisão para depois da derrota de Bolsonaro torna uma nova ofensiva golpista praticamente inevitável: se Bolsonaro souber que a derrota significa cadeia, terá todo incentivo do mundo para melar o jogo.

É politicamente inviável, e talvez seja errado, tentar prender todos os que, em algum momento, evitaram que Bolsonaro fosse preso. Mas é preciso que haja um limite, um ponto a partir do qual quem não deixar prender tem que ser preso. Proponho que seja agora.



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