Bilionários vão para o céu?


O jornalista Eugênio Bucci, no Estadão, narra a subida aos céus dos bilionários do planeta. 
Os bilionários vão para o céu 

O americano Jeff Bezos tem 57 anos, US$ 193 bilhões e uns trocados (como o jornal Washington Post). Fundador e proprietário da Amazon, criou uma outra empresa – isso lá atrás, em 2000 –, à qual vem se dedicando cada vez mais. Essa empresa, chamada Blue Origin, é um empreendimento sideral. Seu objetivo é vender viagens turísticas ao espaço e, ao mesmo tempo, “colonizar” o Sistema Solar. Bezos planeja levar pessoas para a Lua em 2024, num veículo que ainda não foi construído, mas já foi batizado: Blue Moon.

Não se sabe se haverá fundo musical durante o pouso.

Nesse projeto nada acanhado, o verbo “colonizar” chama a atenção. Os anéis de Saturno serão “colonizados”. Em seu site, a Blue Origin afirma que, para proteger seu torrão natal, “a humanidade terá de expandir, explorar, encontrar novas energias e recursos materiais e mover as indústrias que estressam a Terra para o espaço”. Bezos fala em transferir “atividades de produção” para os corpos celestes à nossa volta. Em sua imaginação de futuro, talvez o nosso velho planetinha será um Jardim do Éden preservado, habitado por humanos ricos, cercado de sujeira industrial por todos os lados. Enquanto isso não se materializa, a empresa vai faturando com passeios a preços suportáveis para a massa ir virar cambalhotas longe da gravidade. A Disneylândia do amanhã fica a meio caminho entre os Estados Unidos e a Lua.

A publicidade, pelo menos ela, já começou. Na semana passada, no dia 13 (esse número de que os astronautas da Nasa não gostam nem um pouco), a Blue Origin carregou para além da estratosfera o ator William Shatner, de 90 anos de idade. O improvável leitor talvez não ligue o nome à pessoa, mas, décadas atrás, Shatner fez sucesso no uniforme de Capitão Kirk, o protagonista de uma série de televisão chamada Jornada nas Estrelas.

Agora, em 2021, ao subir a bordo de um foguete de Bezos, o ator atraiu a cobertura deslumbrada da imprensa mundial, que hoje é química e financeiramente dependente de celebridades. Envergando um macacão azul da Blue Origin, o exkirk apareceu em telejornais de todos os continentes terráqueos, num golpe de marketing cósmico como nunca se viu, ao menos desde o Big Bang.

Como este ramo de negócios é promissor – o céu é o limite –, outros dois bilionários disputam espaço, quer dizer, disputam o espaço com o ego amazônico de Jeff Bezos: Richard Branson, da Virgin Galactic, e Elon Musk, CEO da Tesla e criador da Spacex. São três, portanto, os endinheirados na briga interestelar, com seus telescópios apontados para um mercado que, na próxima década, deve chegar a US$ 1,4 trilhão.

Todos eles, e vários outros atrás deles, darão um jeito de ir para o céu. Vivos ou mortos. Não nos espantemos se, em breve, uma dessas empresas lançar uma funerária cosmonáutica para despachar cadáveres ilustres, devidamente congelados, rumo a fronteiras nunca dantes trespassadas. Lá irão o defunto, suas memórias digitalizadas e uma pontinha de esperança de que, em outras dobraduras do espaço-tempo, surja um anjo alienígena capaz de operar ressurreições.

No Egito antigo, os faraós erguiam pirâmides dentro das quais seus corpos dormiriam até que seres do além viessem resgatá-los. Agora, sarcófagos nucleares partirão daqui em busca dos deuses que nunca se dignaram a visitar os nossos cemitérios. Os faraós queriam que os céus descessem ao deserto. Os bilionários, batalhadores que são, não ficarão na expectativa – subirão eles mesmos aos céus.

Mas nem tudo é funéreo nesta vertiginosa vertente economia mais-que-global. Há muito mais do que féretros interestelares nas estratégias destes senhores. A nova ocupação capitalista do espaço – esta, sim, a nova fronteira – também se abre em cenários menos funestos. Ninguém precisa ser adivinho para perceber que se aproxima a chegada das estações orbitais particulares. A especulação imobiliária vai entrar em órbita. Os bilionários, estes que vestem paletós que valem o preço de um automóvel e pilotam automóveis que custam mais do que um avião, terão casas de fim de semana muito acima do andar de cima. A estética da coisa será meio Las Vegas. Os abastados passarão temporadas tomando banho de neutrinos, lendo mensagens pornográficas em telas holográficas e namorando seres sintéticos. Haverá vinhos, caríssimos, que só alcançarão o estado da arte quando conservados em câmaras de gravidade zero. Haverá cosméticos que só farão efeito quando aplicados em corpos que flutuam. A distância entre ricos e pobres terá aumentado ainda mais e uns e outros não mais se olharão, quando por acaso se cruzarem, como pertencentes à mesma espécie. Isso tudo na parte boa da história.

Ao que você pergunta: mas serão os bilionários astronautas? Ora, ora, sem a menor dúvida. Bezos e seus competidores, que hoje parecem aqueles moguls que a gente só via em filmes de James Bond, serão os senhores do céu azul. Em tempo: o céu só é azul para quem olha para ele aqui, da Terra; quando visto lá de cima, o céu é escuro, só a Terra é que fica azul. E pálida. Pálida origem.






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