'Saibam todos quantos lerem: Lula é inocente!'. Entenda porquê

Três juristas - Lenio Streck, ex-promotor e professor universitário; Marco Aurélio de Carvalho, fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) e coordenador do Grupo Prerrogativas e Fabiano Silva dos Santos, mestre em Direito pela PUC-SP - escreveram este artigo publicado na Folha:
Saibam todos quantos lerem: Lula é inocente!
 
Por incompetência e parcialidade do juiz, nada restou dos processos ficcionais
Antigamente, as escrituras públicas anunciavam: “saibam todos quantos esta virem que no ano da graça de nosso senhor”… Pois, do modo como parte da grande mídia trata das anulações e arquivamentos das ações que existiam contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), parece se exigir uma espécie de escritura pública para tratar do tema —para que se tenha fé pública contra incautos, mentirosos, maledicentes e pessoas que distorcem fatos.
Não é possível que, depois de o Supremo Tribunal Federal declarar o ex-juiz Sergio Moro parcial e suspeito —acusação mais grave ao ofício de um juiz desde que os gregos, ainda na mitologia, estabeleceram a imparcialidade como algo sagrado —, ainda se invertam os papéis e se construam narrativas falsas sobre o ex-presidente.
Veículos de comunicação, ignorando o Estado de Direito, chegam a dizer que declarar a prescrição é filigrana —esquecendo que esse instituto é civilizacional. Esquecem os construtores da fábula “juiz herói” que todos os processos — injustos e ilegais — intentados pelo Ministério Público contra Lula já não existem.
E não existem por quê? Porque o Ministério Público propôs a ação em foro incompetente e o juiz Moro forçou a barra e aceitou a denúncia, para, depois, com todos os atropelos, agindo com parcialidade constrangedora e criminosa, produzir sentenças que, no Supremo Tribunal, foram consideradas nulas.
Lula é livre, ficha limpa, sem nódoas e indiscutivelmente inocente, e isto também por três claros motivos: primeiro, porque seu juiz-algoz era incompetente; segundo, porque seu juiz-algoz foi parcial; e, terceiro, porque, com toda essa aventura jurídica proporcionada pelo juiz-algoz e pelo MP-algoz, passou tanto tempo que ocorreu a prescrição, que quer dizer em simples linhas que o Estado perdeu o tempo previsto para apurar determinados fatos e condutas.
Mas Lula não é livre, ficha limpa, sem nódoas e inocente só porque houve prescrição no caso do triplex. Não. Lula é inocente porque nada restou dos processos. Por incompetência e parcialidade do juiz. E por que os processos eram ficcionais. Conduzidos com objetivos políticos e eleitorais.
Lula foi absolvido em quase 20 processos, depois de ter sua vida e a de seus familiares literalmente revirada. Alguns desses processos foram rejeitados porque a denúncia não trazia a correspondente e necessária justa causa. Outros foram encerrados porque os acusadores não demonstraram crime algum, e a defesa provou a inocência. E outros tantos foram anulados ao se demonstrar que o juiz que os conduzia era parcial e queria, a qualquer custo, condenar em vez de julgar. Este mesmo juiz coordenou os trabalhos do Ministério Público sem qualquer tipo de pudor.
Feriu a independência e a autonomia da instituição, e, a pretexto de combater a corrupção, corrompeu todo o nosso sistema de justiça, retirando parte da credibilidade de que tanto necessita para sobreviver.
Impressiona que jornalistas com ou sem formação jurídica insistam em ignorar o que diz o direito a favor de qualquer pessoa. Ora, dizer que o ex-presidente é réu, ou que foi condenado, é como acusar alguém que foi cobrado na Justiça por dever bilhões através da apresentação de uma nota promissória falsa pelo pretenso credor. No processo, a Justiça declara o documento falso, e a manchete do jornal anuncia: “Fulano deve bilhões”, embora a nota promissória seja falsa. Ou ainda: embora a dívida tenha sido declarada inexistente, fulano continua devedor. O leitor pode imaginar as variações desse tema.
Difícil lutar contra narrativas. Um famoso filósofo disse que “não há fatos; só há interpretações”. Parece que, em alguns setores da imprensa, isso “colou”. Parece não existir fatos contra argumentos ou interpretações.
O Estado democrático de Direito exige isonomia no tratamento dos fatos. Vendo as construções de narrativas distorcendo o estado de inocência de Lula, lembramos que já no hebraico do Velho Testamento havia uma denúncia contra esse tipo de narrativa. A palavra é “Navah”, que queria dizer “dar existência a coisas que não existem”. Sim, dizer que Lula não vive em estado de inocência plena é negar fatos e transformar tudo em relatos.
Um desafio a quem insiste nesse tipo de narrativa: contrate um advogado e faça uma representação ao Tribunal Superior Eleitoral para impedir Lula de ser candidato. Pronto. Afinal, se é verdade que Lula não é inocente, então não pode ser candidato.
O que ocorreu em 2018 como farsa, não se repetirá em 2022 como tragédia.
De uma vez por todas: os julgamentos de Lula terminaram. Nada há contra ele. Se alguma declaração de culpa contra alguém existe, é contra o ex-juiz Moro: basta ler os autos dos processos no STF: no habeas corpus 95.518, a corte mostra como Moro bisbilhotou a vida dos advogados e, ignorando o Ministério Público, investigou como se fosse policial; nos processos de Lula, o STF declarou Moro parcial e incompetente. Portanto, se há alguém que deve explicações não é o ex-presidente.
Fosse na Europa, o ex-juiz estaria em maus lençóis. Seria julgado pela Corte Europeia dos Direitos Humanos por parcialidade.
Aliás, vale lembrar entrevista em que o “então ainda juiz” responde, indagado acerca de ser candidato: “Se eu fosse para a política, meu trabalho perderia credibilidade”. Perfeito. Como ele foi para a política, seu trabalho não tem qualquer credibilidade. Por isso, quem deve explicações é ele, e não aquele que ele perseguiu e deixou quase 600 dias injustamente no cárcere.
Simples assim. E, numa palavra final: Moro sempre usou um truque: atirava a flecha e depois pintava o alvo. Até que o STF sacou a trucagem. Explicar essa trucagem daria uma boa pauta.
Eis a sugestão, e o desafio.
Moro precisa se explicar ao país, e à imprensa cabe o importante papel de permitir que isso ocorra.
Nenhuma construção retórica será capaz de mudar a verdade dos autos e dos fatos.






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ASSANGE. Justiça britânica autoriza extradição aos EUA, que planejaram sequestrá-lo e assassiná-lo


Cúmplice nas ações criminosas de guerra dos EUA, o Reino Unido acaba de anular nesta sexta a decisão da juíza Vanessa Baraitser, que havia negado a extradição de Assange aos Estados Unidos. Com isso, a extradição pode ser determinada a qualquer momento. A defesa de Assange já avisou que vai recorrer da decisão.
 
A declaração da noiva de Assange e mãe de seus dois filhos Stella Morris resume o absurdo da decisão:
"Como pode ser justo, como pode ser certo, como pode ser possível, extraditar Julian para o próprio país que conspirou para matá-lo?"
Para quem não se recorda, reportagem de Zach Dorfman, Sean D. Naylor e Michael Isikoff publicada no Yahoo News revelou que a CIA tinha planos e estudos para sequestrar e até assassinar o líder do WikiLeaks.
 
O ano foi 2017, quando Assange já estava havia cinco anos asilado na embaixada do Equador e ilegalmente era espionado por câmeras e captadores de áudio infiltrados pelo governo dos Estados Unidos.
 
A ideia do sequestro e até do assassinato surgiu em função de novos pacotes de dados revelados pelo WikiLeaks, que atingiam o coração de operações de hackers da CIA, conhecidas coletivamente como "Vault 7". A reportagem publicada no Yahoo é extensa e vale a conferida [em inglês].
 
Em favor de Assange, ainda há a informação da principal testemunha apresentada pelos Estados Unidos de que seu depoimento era falso e foi forçado pelo FBI (como as delações premiadas da Lava Jato aqui no Brasil).
 
A testemunha dos EUA é o islandês Sigurdur Thordarson, que declarou que mentiu em seu depoimento em que acusou Assange, pressionado e acobertado pelo FBI. Ele  está preso agora em seu país, Islândia. É "um hacker pedófilo condenado por abusar sexualmente de nove crianças, tendo sido absolvido de cinco outros casos por falta de provas". Ponto importantíssimo em favor de Assange, já que Thordarson foi a única testemunha contra Assange.
 
Essas informações, que surgiram após a decisão da juíza Baraitser, deveriam reforçar a negativa de extradição e não permiti-la, como decidiu agora a justiça britânica.

Irmanado nos crimes de guerra denunciados por Assange e o WikiLeaks, a justiça britânica permite a extradição com a garantia do governo dos EUA de que seus prisioneiros recebem atendimento humanitário. 
 
Um pouco desse "atendimento humanitário" pode ser conferido aqui, em postagem do Blog do Mello de há 14 anos, 2007, e que esta pequena imagem ilustra [há outras no link].

 
#FreeAssange




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Exército brasileiro treina e doutrina contra os 'inimigos': Nós, da esquerda


Aquilo que a gente deduz do comportamento dos militares brasileiros, de que são absolutamente servis aos Estados Unidos, vivem ainda na época da guerra fria e enxergam por trás de tudo o "perigo comunista", fica exposto na reportagem de Rafael Moro Martins, no The Intercept Brasil, escrita a partir de um documento vazado sobre a Operação Mantiqueira — treinamento para uma tropa de elite do Exército, realizada em 2020. 
 
Na Operação, os inimigos somos nós da esquerda,os movimentos populares e até a mídia independente. Tudo com a sutileza desinteligente de um Pazuello, um Heleno, um Braga Netto, um Mourão, que nos mostram por suas performances a falta de qualidade na formação de nossos oficiais.

O Brasil vira Brasânia. MST vira MLT. Mídia Ninja vira Mídia Samurai. Um trabalho digno da tropa de recrutas Zero e sargentos Tainha comandada por um "mau soldado" (nas palavras de Geisel).

Lembrando que nós da esquerda representamos ao menos 30% dos brasileiros e com nossos impostos sustentamos esse treinamento que nos tem como adversários / inimigos / alvo.

A íntegra da reportagem pode ser lida aqui. A seguir, publico trechos:

O Exército realizou em 2020 uma simulação em que candidatos a integrar a sua tropa de elite tiveram de combater uma “organização armada clandestina”. No texto que apresenta o exercício, a força explica que o inimigo fictício surgiu “de uma dissidência do Partido dos Operários”, o “PO”, que “recruta e treina militantes do MLT”, o “Movimento de Luta pela Terra”.

Os documentos que descrevem o exercício foram entregues ao Intercept por uma fonte que pediu para não ser identificada por medo de retaliações. A Operação Mantiqueira foi realizada em novembro de 2020 em Piquete, cidade paulista de menos de 15 mil habitantes localizada no Vale do Paraíba e próxima à divisa com Minas Gerais e Rio de Janeiro. A locação não foi escolhida à toa: a cidade é sede de uma das mais antigas unidades da Imbel, a Indústria de Material Bélico do Brasil, uma estatal vinculada ao Exército.

O teor do exercício a que os oficiais do Exército submetem candidatos às suas Forças Especiais deixa claro que, passados quase 40 anos desde a redemocratização, a maior das três Forças Armadas não apenas segue a enxergar movimentos sociais e políticos de esquerda como inimigos – ela também está sendo treinada para combatê-los.

Participaram da Operação Mantiqueira sargentos de carreira e oficiais do Exército que eram alunos do Centro de Instrução de Operações Especiais, o CIOpEsp, localizado em Niterói, cidade da região metropolitana do estado do Rio. Ela foi a última atividade do curso que serve como vestibular para o ingresso nas Forças Especiais. Em 2020, segundo a fonte que entregou os documentos ao Intercept, de uma turma de quase 40 alunos, 17 foram aprovados para trabalhar no Batalhão de Forças Especiais, o BFEsp, sediado em Goiânia.

...

O texto que apresenta o exercício aos alunos do CIOpEsp começa apresentando o “Exército de Libertação do Povo Brasaniano”, o ELPB, “criado a partir de um projeto de partido político de caráter marxista e com uma organização armada clandestina, nascido de uma dissidência do Partido dos Operários e que recruta e treina militantes do MLT” num país fictício chamado Brasânia. As referências, óbvias, são ao Exército de Libertação Nacional da Colômbia, ao Partido dos Trabalhadores e ao MST. Existe, também, um movimento que luta pela reforma agrária chamado Movimento de Luta pela Terra, fundado na década de 1990 na Bahia.

...

“Cabe ressaltar que esses grupos têm utilizado canais da Deep Web e de mídias sociais para disseminar vídeos, imagens e outros produtos sobre as ações violentas executadas. Essa prática ficou conhecida como ‘Mídia Samurai'” – aqui a referência é à Mídia Ninja, que documentou os protestos contra reajustes nas tarifas do transporte público em São Paulo e outras capitais e depois se tornou um veículo de mídia popular na esquerda.

Mas não são apenas as mídias de esquerda as citadas no documento: a imprensa como um todo apanha. “Uma ala mais tendenciosa da imprensa vem acompanhando o ELPB de forma velada, com notícias que buscam divulgar o caráter ‘democrático e de liberdade’ que o ELPB ‘defende'”, critica o texto.

...

Chamou a atenção dos pesquisadores o descolamento do tema do treinamento com o momento político brasileiro. “Não há nenhuma ameaça à democracia partindo de organizações de esquerda, mas sim das de direita, que têm ameaçado instituições democráticas e sendo investigadas em inquéritos do Supremo Tribunal Federal”, argumentou o professor João Roberto Martins Filho da UFSCar. Ele se referia, por exemplo, aos protestos organizados em Brasília nos últimos dois anos por partidários de Jair Bolsonaro, como os 300 do Brasil, inclusive convocados pelo próprio presidente, como no último 7 de setembro.






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EleNão e a estratégia de sobrevivência das baratas

Do jornalista Eugênio Bucci, no Estadão.
Inteligência, baratas e poder

 “Quem quer que já tenha tentado matar uma barata sabe que ela é inteligente.” Assim falou a professora Lucia Santaella. Titular da Cátedra Oscar Sala, no Instituto de Estudos Avançados da USP, a pensadora sabe o que diz. Baratas podem, sim, ser consideradas inteligentes. A seu modo, elas raciocinam, arquitetam táticas de fuga e, no mais das vezes, conseguem escapulir.

Em seu elogio ao tirocínio do esperto inseto que, além de tudo, “avoa”, Lucia Santaella não nos lança uma reles anedota com fins didáticos. Apoiada na semiótica do filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), ela nos traz mais do que uma boutade. Peirce escreveu que “o pensamento não está necessariamente conectado a um cérebro”. Para ele, haveria “pensamento”, igualmente, no “trabalho das abelhas e nos cristais”, isso para ficarmos apenas em poucos exemplos.

No texto de Peirce, o termo “pensamento” deve ser entendido como a capacidade de um organismo ou um sistema dar respostas calculadas, baseadas em alguma forma de memória e aprendizado, aos estímulos que recebe do mundo externo.

Atualmente, usamos para isso a palavra “inteligência” – e esta não precisa mesmo de um cérebro. Contam os pesquisadores que, se você arrancar a cabeça de uma barata, ela vai continuar andando normalmente, com perfeita coordenação corporal, e isso por um bom tempo.

Quem assiste a um documentário disponível na Netflix chamado Professor Polvo (Oscar de melhor documentário em 2021) acaba se convencendo de que os polvos também “pensam”, embora não tenham propriamente um cérebro no meio da cabeça. No caso deles, os neurônios, distribuídos pelos tentáculos, conseguem se comunicar uns com os outros, sem depender de comandos vindos de uma massa encefálica central.

Até as plantas têm uma forma de inteligência. O botânico italiano Stefano Mancuso vem dizendo exatamente isso há duas ou três décadas. “Um ser inteligente não é só aquele que possui cérebro”, garante o cientista. “É um organismo capaz de resolver problemas e aprender com as situações – e nisso as plantas têm sido craques.” Os estudos do botânico brasileiro Marcos Buckeridge comprovam a tese. “Não é nada exorbitante dizer que as plantas têm memória interna”, disse ele na palestra Cognição e inteligência em plantas, disponível no Youtube. Buckeridge, que é diretor do Instituto de Biociências da USP, sustenta que os vegetais aprendem e ordenam seu crescimento com inteligência. Entre outras coisas, isso significa que não é exato dizer que uma pessoa em coma esteja em “estado vegetativo”. Vegetais, senhoras e senhores, “pensam” ativamente.

Diante disso, não surpreende que existam sinais de alguma inteligência nos movimentos políticos do presidente da República. Agora mesmo, nesta semana, a cerimônia de sua filiação a um partido político revela a existência de algum tipo de cálculo nas entranhas do bolsonarismo. É impressionante. Mais do que o discernimento direcional das lesmas e das estalagmites, o tema vem intrigando observadores da cena política nacional.

O instinto adestrado de sobrevivência do governo que aí está – e está até hoje – assombra o ceticismo científico mais rigoroso. Em metamorfoses estratégicas mirabolantes, o organismo bolsonárico logrou se transformar no oposto do que era, sem jamais se descuidar de seu objetivo: conservar-se no poder. O chefe de Estado, que há poucos meses insultava os próceres do Centrão, encontrou meios de se entronizar como o líder máximo de todos eles. Nesse deslocamento, que envolveu operações de alta complexidade, o mitômano personagem escapou da ameaça de impeachment, reverteu ações penais que espreitavam seu círculo familiar (deixou-as todas processualmente rachadinhas) e, agora, se viabiliza para tentar a reeleição. Um prodígio, certamente.

Mas como pode? Haveria por lá algum estrategista de gênio? As hordas fanáticas (que las hay, las hay) acreditam fervorosamente que sim – ainda que nessa crença repouse, latente, uma ofensa gratuita às baratas. Outros dizem que não há inteligência nenhuma naquelas hostes, mas isso pouco importa. O fato é que o índice de sucesso do (des)governante desconcerta, humilha e oprime todo o seu entorno, próximo ou distante.

Nesta hora de desconforto moral, não podemos esquecer que a razão humana não se resume à faculdade da inteligência. Ao menos desde Aristóteles, a razão supõe, além do raciocínio, além da lógica instrumental, a dimensão ética e a dimensão estética, entre outras. Sujeitos com transtornos de personalidade também articulam atos e palavras, mas emperram no plano ético e não dispõem de recursos para a estesia e a empatia. A aptidão para conjugar pensamento crítico, sensibilidade estética e princípios éticos talvez sintetize a substância do espírito (Ralph Waldo Emerson dizia que o caráter está acima da inteligência).

Por tudo isso, a inteligência instalada no outro lado tem um aspecto bruto, demente, feio, selvagem e desumano. O fato de ela ter prosperado tanto, com tamanha desfaçatez, comprova que, do lado de cá, ainda grassa a estupidez.






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Lula com Alckmin, por Tereza Cruvinel


Da jornalista Tereza Cruvinel, eleita a Melhor Colunista de opinião do Prêmio Comunique-se.
Lula com Alckmin: O Brasil vale uma missa

Bastou Lula admitir que está "em processo de conversa" com Alckmin, e este afirmar que está "caminhando"  a ideia de sua participação como vice na chapa do petista, para começar o ranger de dentes na esquerda e na direita. Enquanto nas redes militantes petistas esconjuram a aproximação com o "neoliberal", porta-vozes da direita na mídia  atacam o ex-governador, reduzindo seu gesto político a mera desejo de vingança contra João Dória.

E com isso, sectários dos dois lados estão dizendo que, apesar dos discursos feitos nestes últimos tristes tempos, para eles a prioridade não é derrotar Bolsonaro e o fascismo, restaurar plenamente a democracia e tirar o país da decadência intolerável a que foi condenado pela ignorância e a incompetência do bolsonarismo.

Os indignados da esquerda deviam prestar mais atenção ao que Lula disse à Rádio Gaúcha: "eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições. E quero construir uma chapa para mudar outra vez a história deste país". Objetivo e claro.

A direita estrila contra Alckmin pela razão óbvia de que, aceitando a vaga de vice, ele potencializa a chapa de Lula e torna mais remoto o sonho do momento da direita não-bolsonarista: turbinar a candidatura de Sergio  Moro, polir sua imagem de juiz ladrão com um banho de mídia, atribuir-lhe um conteúdo político e intelectual que ele não tem e levá-lo ao segundo turno para uma disputa de vida ou morte com Lula.

Impossível não é, considerando-se que Bolsonaro está em seu momento de mais aguda desidratação política e eleitoral, como mostra a pesquisa Atlas desta semana, em que ele obteve apenas 19% de ótimo ou bom na avaliação de desempenho. Na intenção de votos,  manteve o segundo lugar com 31,5%, bem atrás de Lula com 42,8%, mas viu Moro fincar seu nome em terceiro lugar com 13,7%.

Resta saber se outras pesquisas confirmarão o viés de alta de Moro, e se ela é consistente ou fogo de palha atiçado pela intensa exposição midiática que lhe foi conferida desde sua filiação ao Podemos, há apenas 20 dias. Impressionante como inventam pautas com Moro. Agora está em cartaz o livro das mentiras e desculpas amarelas para seus delitos na Lava Jato e a perseguição a Lula que lhe rendeu o reconhecimento de parcialidade pelo STF.

Apostando tudo nesse cavalo do momento, a direita é atropelada pela declaração de Alckmin, de que pode mesmo vir a ser vice de Lula. E parte para o apedrejamento. Eles sabem que a aliança confere a Lula muito mais que votos. Ficam recordando que Alckmin perdeu duas vezes para presidente (e feio em 2018), e que até encolheu na disputa do segundo turno com Lula em 2006. Bobagens.   Como vice, ele traria a chapa de Lula mais para o centro, como fez José Alencar em 2002, e enfiaria uma cunha nos setores da elite que, mesmo achando Bolsonaro inaceitável, consideram Lula indesejável. Como disse aquele dirigente da Natura. Alckmin na chapa neutralizaria resistências e atrairia apoios do campo conservador de que Lula necessita, se não para ganhar, com certeza para governar.

Já a indignação de grupos mais à esquerda, dentro e fora do PT, é sintoma de uma velha doença. Sim, aquela mesma que Lênin definiu como "Esquerdismo- doença infantil do comunismo".  Atualmente ela atende mais pelo nome de sectarismo, pois o comunismo de fato passou a existir apenas na realidade paralela dos extremistas de direita. Para essa ramo da esquerda, só uma chapa puro-sangue, que tivesse como vice um Flávio Dino ou alguém parecido, garantiria a natureza progressista do eventual terceiro governo Lula. Em verdade, gostariam que tal governo fosse revolucionário sem ter havido revolução, mas apenas uma eleição. Está faltando a essa turma compreensão da correlação de forças. Se o PT pudesse ganhar sozinho, Bolsonaro não seria presidente hoje.

Aí surgem desculpas as mais diversas: Ah, o Alckmin é privatista e neoliberal. Ok, mas ele não vai governar. Algum acordo sobre o programa de governo haverá mas Lula não venderá a alma para ter um vice. Quando eu disse ontem que ele será um substituto eventual de Lula, naturalmente não dizia que ele só servirá para isso. Obviamente que representará interesses conservadores no governo, mas daí a dizer que será golpista como foi Temer vai larga distância. Os jornais de 2016 trazem declarações do ex-governador pedindo cautela com o impeachment de Dilma e guardando alguma distância do processo. Depois veio o completo embarque dos tucanos e ele foi junto, mas não teve o papel de um Aécio.

Outros dizem: Ah, com Alckmin de vice a direita vai tramar um golpe contra Lula para empossá-lo, como fizeram com Temer. Contra isso, não temo dizer: se Lula fosse o presidente em 2016, não teria havido golpe. Tanto é que Dilma o buscou como ministro da Casa Civil na certeza de que ele, com sua habilidade e capacidade de articulação, evitaria o impeachment. Mas Moro vazou seletivamente aquela conversa entre os dois, sugerindo que Lula fora nomeado ministro apenas para não ser preso, e Gilmar Mendes tomou a pior decisão de sua vida no STF, impedindo que Lula assumisse o cargo depois de já empossado.

Mas então os purosanguistas acrescentam: Ah, as forças do imperialismo, que foram parceiras da Lava Jato e do golpe de 16, vão cooptá-lo e para a derrubada de  Lula. Sobre isso digo: a viagem de Lula à Europa mostrou que sua dimensão internacional é uma blindagem considerável contra golpes dessa natureza. Os norte-americanos já fizeram de tudo neste planeta, contra diferentes povos, mas é preciso levar em conta quem é Lula no mundo. E, sobretudo, que a natureza de seu governo dificilmente dará pretexto a tais estrepolias na geopolítica. Quando presidente, ele conseguiu ter boa relação com Bush, sem virar as costas para Cuba ou para a Venezuela.

Lula, mais uma vez,  lembra Henrique IV, que abdicou do protestantismo e abraçou o catolicismo para garantir seu reinado, dizendo: "Paris bem vale uma missa". Lula, mais uma vez, reconhece que o futuro do Brasil vale uma aliança e uma concessão, vale a troca da chapa puro sangue por uma aliança que será de centro-direita e centro-esquerda. E para isso, Alckmin também caminhará mais para o centro. Se dará certo, veremos.

Alckmin está sendo mais atacado que Lula por conta do "processo de conversa" sobre a aliança. E vale reconhecer que, se decidir filiar-se ao PSB para ser vice de Lula, estará abrindo mão de uma eleição quase certa ao governo de São Paulo pelo PSD.

A opção por  um cargo de pouco poder e parco protagonismo, como o de vice-presidente, não pode ser reduzida a mero desejo de vingança contra Doria. Alckmin  já se vingaria voltando ao Palácio dos Bandeirantes. Doria, com 1,7% na pesquisa Atlas, está destinado à planície se insistir em disputar a Presidência.

Ao aceitar essa conversa para ser vice de Lula, para a qual foi procurado e não procurou, Alckmin também se dispõe a algum sacrifício para garantir o isolamento do fascismo, a derrota de Bolsonaro e a reconstrução deste país que vem tolerando o intolerável, pois o bolsonarismo foi também capaz de criar esta apatia política que tudo naturaliza. É preciso reconhecer, no mínimo, que dificilmente um político troca o certo pelo duvidoso em matéria eleitoral.  

Lula e Alckmin, neste momento, estão tentando fazer a política maior, a do P maiúsculo, colocando o interesse do país acima das conveniências individuais. Podem não conseguir, mas é preciso pelo menos reconhecer a natureza do gesto que estão fazendo.






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