O perigo que a reeleição de Bolsonaro traria para o Brasil e a democracia - Por Conrado Hubner

Não é pouca a ameaça do que pode vir por aí. Nem é pouca a teia de ilegalidades normalizadas pelo silêncio cúmplice de mídia e Judiciário. 

Verbas cortadas da saúde, tratamento para câncer, farmácia popular. Agora, verba retirada das Universidades públicas para o chamado orçamento secreto (que é o maior esquema de corrupção da História, envolvendo bilhões de reais), cujo objetivo é a compra de votos (sic), porque é disso que se trata. Todo mundo sabe disso. Eu sei, a mídia sabe, o Judiciário sabe, e ninguém faz nada.

É sobre isso a mais uma vez excelente reflexão do professor Conrado Hubner Mendes, em sua coluna publicada ontem na Folha:

Bolsonaro ensina muitas lições sobre democracia e constituição. Ensina, por exemplo, que presidente engajado na supressão de limites jurídicos, se não enfrentado à altura, vai levar instituições à fadiga e esgotamento. O regime de irresponsabilidade, corrupção e anomia. Com a complacência de juristas da corte.

Valores imateriais como liberdades civis e políticas deixam de ter lastro real e passam a depender apenas da boa vontade e das boas relações. E da sua condição social. Deixam de ser liberdades, portanto. Já a promoção de valores materiais como desenvolvimento econômico e redução da pobreza, na ausência de regras estáveis, coordenação institucional e confiança, torna-se inviável e ineficiente.

Neutralizadas as instituições, a Constituição vai se tornando literatura de ficção, cartilha de legalismo fantástico. Essas não são lições novas, mas lições mal aprendidas pela análise política hegemônica. A sacralização das instituições e o apagamento dos indivíduos que as operam promovem miopia cognitiva.

O primeiro turno das eleições de 2022 suscitou avaliações variadas.

A gestão competente da máquina eleitoral pelo TSE mereceu destaque. Mas não se pode esquecer as falhas do TSE e do STF em coibir práticas que comprometem a integridade da competição eleitoral. Orçamento secreto e os diferentes gastos criados para fins exclusivamente eleitorais são exemplos clássicos do menu de manipulação eleitoral. Controlar depois do estrago já feito é uma arte judicial.

Análises políticas interpretaram o significado do volume surpreendente de votos em candidaturas bolsonaristas, que pesquisas não detectaram. Projetaram a imensa força que eventual governo bolsonarista poderá ter no Congresso para fazer as anunciadas reformas autocratizantes que quiser.

Análises sociológicas reafirmaram as evidências de aprofundamento desse conjunto eclético e retrógrado de valores, chamado de bolsonarismo, na sociedade. As eleições teriam mostrado que ele "se consolida e se decanta, costurou a direita tradicional, está mais potente e capilarizado, e não foi mero acidente".

Independentemente do acerto das análises descritivas, que tentam retratar o que passa, deixamos a dever na análise normativa. Primeiro, pelo ângulo da teoria política, de onde vem o conceito de democracia. É preciso se perguntar se e quando o que estamos assistindo não poderá mais ser chamado de democracia mesmo pelos modestos parâmetros da ciência política. E combinar quais devem ser nossos detectores.

Segundo, pelo caminho próprio da análise jurídica, que examina a legalidade do que já aconteceu e do que pode vir a ser a agenda "reformista" de um segundo governo Bolsonaro. Porque muitas propostas dessa agenda, sabemos, são incompatíveis com a Constituição de 1988.

Mesmo que análises descritivas estejam certas, cabe à análise normativa alertar para o que o que podemos deixar de ser. Democracia constitucional não é para qualquer Bolsonaro.

Entre vitórias e derrotas no embate dos poderes, Bolsonaro ajudou a produzir democracia imunossuprimida. Sua obra de deterioração institucional é magnífica.

Eventual reeleição deve dar a carta branca que faltava para acelerar o projeto. A reeleição do líder autoritário, como mostram casos da onda de autocratização pelo mundo, da Hungria à Índia, da Venezuela às Filipinas, é o grande gatilho dessa virada de regime que muitos continuarão a chamar de democracia por observar que as "eleições estão funcionando".

Runciman alertou que a "democracia pode entrar em falência mesmo permanecendo intacta". E que a ciência política "tem pouco a dizer sobre as novas maneiras como a democracia pode falhar". Estaria mais preocupada em entender "como a democracia continua a funcionar" (Como as Democracias Chegam ao Fim, Ed. Todavia).

Do ventre de democracias podem nascer autocracias. Sem alarde, sem espetáculo, com ou sem a corneta tuiteira de general. Para quem a democracia nunca fez diferença, porque sempre foi excluído e violentado pelo estado, tanto faz. Para quem a democracia atrapalha projetos de acúmulo de poder, a transição é bem-vinda.

Para quem ainda quer ter a chance de invocar direitos e participar da vida coletiva, o voto de 2022 nunca foi tão decisivo.

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC


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