Do escritor e jornalista Ruy Castro, na Folha, este desabafo que é de todos nós da cultura, e não somente dela.
Começou, sem exagero, um minuto depois do fim da apuração e dos primeiros fogos: uma explosão coletiva, comparável à notícia do fim de uma guerra — e foi mesmo uma guerra. Os telefones dispararam, e não apenas para a troca de gritos eufóricos, suspiros de alívio e desabafos comovidos.
As vozes do outro lado já falavam de projetos reprimidos, sabotados ou asfixiados e que talvez possam agora se materializar. Palavras como edital, concorrência, bilheteria, elenco, ensaio, estreia, que se temia extintas da língua, reapareceram nas frases empolgadas de pessoas loucas para trabalhar. Era o teatro, o cinema, a música, as artes plásticas, a literatura, a poesia e tantas formas de expressão voltando à vida.
Graças a um simples ponto percentual, talvez se esteja na iminência de uma renascença criativa no Brasil. Ideias engavetadas têm uma chance de saírem do sonho para os salões, palcos, telas, vídeos e livrarias. É hora de saber quem não desistiu e continuou a criar em imaginação, mesmo diante de uma realidade tão boçal.
Depois de quatro anos de massacre, será preciso ver o que sobrou da centenária UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com seus cinco campi, 65 mil estudantes, nove hospitais e mais de mil laboratórios, condenada pelo governo federal a não ter sequer papel higiênico nos banheiros. De templos como a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a Fundação Casa de Rui Barbosa, a Fundação Palmares, museus, conservatórios, institutos de pesquisa, muitos mais.
Os executores do desmonte ou prostituição da educação e da cultura nunca poderão nos pagar pelos livros, filmes, peças, exposições e canções que não vieram à luz porque seus criadores tiveram de abandoná-los. Mas aí estará a vingança desses criadores: botar tudo que puderem para fora e dizer "Chupem!".
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