O Amor tem dessas coisas (6). O Voyeur e a Exibicionista, parte 3. Final

O Voyeur e a Exibicionista. Quando o desejo de observar e o de ser observada se encontram. 

O Voyeur e a Exibicionista, parte 3. Final.

Ele aproveitou a ocasião da separação para parar de fumar, o que já havia feito uma outra vez. Aliás, o amor e o cigarro tinham uma perfeita conexão para ele: começar, parar, recomeçar. 

Naquele momento, não fumar era mais um motivo para não ir à janela e ter que resistir à tentação de olhar para aquele prédio, aquele andar, aquele apartamento, aquela janela. Aquela mulher.

Passaram-se dias, semanas e alguns poucos meses assim, sem que ele voltasse à janela daquele quarto. Ou melhor: voltara lá algumas poucas vezes e sempre encontrou as cortinas do apartamento dela fechadas mostrando a ele que a exibicionista não estava mais ali para que o voyeur a apreciasse. Melhor assim, pensou. E ainda fazia bem à saúde parar de fumar.

Mas, certa manhã, após uma noite perturbada, de sono inconstante, acordou mais tarde do que o costume e com uma súbita vontade de acender um cigarro. Resolveu ir ao quarto de fumar, à janela e, por que não?, olhar para aquela janela que foi cenário de sua vida por um bom tempo, quando o voyeur e a exibicionista dividiram aquele quarto, aquele apartamento, as mútuas vidas.

Não havia perigo de encontrá-la por lá, já que ela estaria certamente no trabalho àquela hora. Ele não olhou para vê-la, mas o apartamento. E se surpreendeu ao ver a janela escancarada, sem as cortinas e o quarto também sem nenhum móvel, com o chão forrado de jornais e pintores apagando as cores que testemunharam aquele período em que foram tão felizes.

O que teria acontecido? Apenas uma mudança de ares, uma reforma, ou a exibicionista vendeu o imóvel e se mudou dali para nunca mais?

Ele voltou a fumar e a passar os dias na janela observando as mudanças realizadas no apartamento. As paredes pintadas, novos móveis, e uma loura... Gravou na cabeça: uma loura. Ela se mudara, a exibicionista.

Nos outros dias pensou na loura, que aparecia rapidamente como que comandando as reformas. Quem seria? Uma representante da administradora ou a nova proprietária ou inquilina?

À noite, o apartamento estava sempre às escuras. Até que um dia, ou melhor, uma noite, a luz do quarto foi acesa e ele viu a loura entrar, como antes a exibicionista. Ela vestia um terninho, e jogou o blazer sobre a cama, exatamente como fazia a exibicionista...

É ela!, o coração dele vibrou, enquanto as mãos procuravam rápidas o maço de cigarros e o isqueiro. Acendeu o primeiro cigarro enquanto se ajeitava no canto da janela para que ela não o visse, já que estava no escuro do quarto.

Ele a observou descalçar os sapatos, desabotoar a blusa e, simplesmente, para sua surpresa, apagar a luz. Desapareceu. Não era a sequência que ele imaginava.

Ficou fumando e esperando. 15 minutos. Meia hora. Uma hora. Duas. Até que a luz do quarto se acendeu novamente e ela entrou direto para o banheiro. Cigarro, cigarro, cigarro. Ela saiu de lá com um pijama, foi direto até a janela e fechou a cortina num golpe, sem nem olhar para a janela dele.

Ele teve a certeza de que não era a sua exibicionista, porque ela não resistiria não conferir se ele estaria ou não na janela a observando.

Os dias seguintes foram de espera, excitação e frustração. Pois a nova moradora não parecia querer se exibir. Pelo menos não tanto nem como a outra.

Até que um dia ele se viu recompensado. Sua espera e a quantidade de cigarros fumados finalmente valeram a pena, quando ela estreou uma nova iluminação. Parecia uma TV ligada ou algo assim, que deixava uma luz azul no quarto, que ficava na penumbra, e ela apareceu e se despiu peça a peça, com a janela escancarada, até ficar completamente nua, e nua se dirigir ao banheiro. Voltou de lá envolta num roupão, como a antiga exibicionista, fechou a cortina, e ele só conseguia enxergar-lhe a silhueta, que se livrou do roupão, se deitou aparentemente nua e apagou a luz azul da TV ou de outra fonte que ele não soube identificar.

Assim se passavam os dias do voyeur com a nova exibicionista. Ele não se deixava ver por ela, como fazia com a outra. Ela também não era tão exibida como a anterior, alimentava mistérios, às vezes nem havia espetáculo, apenas tomava banho, fechava a cortina e dormia. Quem seria?

Ele não resistiu à curiosidade e foi perguntar ao porteiro, que o conhecia do tempo em que morara lá com a antiga exibicionista. Quem era a nova moradora? O porteiro, para sua surpresa, disse que não havia nova moradora, era a mesma pessoa, ela só pintara os cabelos...

Ele pediu ao porteiro que não contasse nada a ela. O porteiro concordou. Ele tratou de ir até a padaria e comprar um pacote de cigarros, porque as novas noites prometiam.

Enquanto ele se afastava, o porteiro pegou o interfone e avisou a ela que ele a havia procurado. "Estou avisando porque a senhora disse pra avisar". Ela pediu ao porteiro que nada contasse a ele, e o porteiro disse a ela que foi o mesmo que ele lhe pediu.

Ela sorriu satisfeita e naquela noite caprichou nos movimentos, lentamente, peça a peça, com a janela escancarada, mas a luz na penumbra, de onde um espelho estrategicamente posicionado mostrava a janela dele e a brasa de seu cigarro nas tragadas.

Começava assim uma nova história entre o voyeur e a exibicionista.

O amor tem dessas coisas.

*Crônica publicada em parceria com a Revista Fórum