Crônica do amor fugaz: Ele, muito louco; ela, doida demais

Quando dois desencontrados se encontram

Eles já haviam se encontrado várias vezes. Moram em Ipanema há anos. Vivem se esbarrando pelas ruas, mas o máximo que fazem é uma troca cúmplice de olhares, um cumprimento com o arregalar de olhos, um oi tímido, sem som...

Um dia se viram frente a frente, sentados numa grande mesa de um bar de esquina, com todo mundo tomando cerveja e otras cositas más, em comemoração a alguma coisa que não é importante para nossa história.

Estavam sentados distantes nas mesas — porque eram três, agrupadas pelos garçons —; quase ela no setor norte e ele no sul, e apenas trocavam olhares, de início comuns aos encontros nas ruas, e, aos poucos, cúmplices, chegando mesmo a brindarem com seus copos e corpos à distância.

A bebida era farta e a comemoração (de que mesmo?) seguia noite adentro, a cada momento perdendo convivas, à medida que a noite engolia a madrugada com sua bocarra alcoólica.

Quase 5 da manhã, o dia para raiar, não havia mais ninguém no bar. A não ser o pessoal do balcão, o solitário garçom da mesa e três pessoas: ela, ele e mais um, que se despediu, profético:

— Não vou embaçar mais a vida do casal.

Eles não protestaram, e ele se foi. Enfim sós.

Não trocaram palavras. Começaram a se beijar e a se abraçar desesperadamente, como a água da chuva inunda o chão seco e rachado do sertão.


 

Teriam ficado indefinidamente assim, se o garçom não pedisse pelamordedeus, pois morava longe. Eles se levantaram e, como se fosse a coisa mais corriqueira do mundo, foram para a casa dela. Sem dizer palavra. Abraçados e se beijando apaixonadamente.

Quando chegaram lá, ela pegou uma long neck, mas não chegaram a beber, pois tinham muitos beijos e coisas mais a fazer.

Quando ele acordou já era quase meio-dia de sábado (esqueci de dizer que o encontro foi na sexta), ela já de biquíni, com uma camisa masculina branca de manga comprida por cima como roupa de praia. Jogou um calção para ele e uma long neck geladinha, que ele bebeu de vez.

Como o roteiro de um filme ensaiado, os dois desceram à praia abraçados como siameses, em frente ao Nove, a Barraca do Uruguai, e se encaminharam para a beira, onde ela estendeu a canga e eles voltaram a se agarrar. 

Comeram linguiça aperitivo com molho chimichurri do Uruguai, beberam várias cervejas. E continuaram a se beijar. 

Da praia, após o por do sol, foram até a casa dele. Tomaram banho, ele deu um vestido para ela usar e botou a camisa, o biquíni e as demais roupas de praia para bater na máquina de lavar.

De lá, seguiram caminhando pelo calçadão da Vieira Souto até o Arp e ocuparam uma mesa na calçada. Ali ficaram bebendo gin tônica e beijando loucamente, muito de vez em quando falando sobre a magnífica lua  apenas dizendo "lua" e olhando-a, enquanto bebiam e beijavam mais.

Passaram depois pelo mesmo bar da noite anterior, beberam umas cervejas e pediram outras para levar para a casa dela, onde beberam e transaram até o dia amanhecer. Fecharam a cortina para o sol de domingo e dormiram agarrados.

Acordaram juntos quase às 18h. Decidiram que iriam tomar café da manhã, almoçar e jantar de uma vez no Bar Lagoa. Que já não é mais a mesma coisa, embora aparentemente sim. Como eles também não são a mesma coisa. E às vezes é bom que assim seja; outras vezes não. Com a vida também.

Mas no Lagoa os beijos desapareceram e não foram substituídos por palavras. Escolheram pratos diferentes, tomaram chope e saíram andando lado a lado. Até a esquina em que se separaram: ele para a casa dele; ela para a dela.

Ele tinha que chegar em casa, botar para secar a camisa dele — aquela que estava na casa dela e que ela usara para ir à praia e ele botara na máquina de lavar — para amanhã cedo passá-la e ir trabalhar.

Ela teve que ir para casa, pois teria diarista na segunda e dona Tereza chega cedinho, mesmo vindo de Nova Iguaçu para Ipanema. Como consegue?

Só tornaram a se encontrar alguns dias depois. Sempre em Ipanema. Caminhando em calçadas diferentes, se cruzaram ao acaso. Cumprimentaram-se à distância, como sempre. Apenas um revirar de olhos e um pequeno sorriso no canto da boca.

Sabe-se lá quando outro evento voltará a aproximá-los de novo. E se isso vai acontecer.

Não foi a primeira vez. Pode ou não ter sido a última. Mas é assim com eles.

O amor tem dessas coisas.

A ideia desta crônica me veio das canecas que ilustram a postagem, que encontrei na internet. Dei apenas uma pequena "entortada" nos personagens tão fofinhos das canecas.


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