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Biden e Bolsonaro: dois mentirosos e alguns mais - por Janio de Freitas

O grande jornalista Janio de Freitas, que completou 90 anos esta semana, em seu artigo dominical na Folha: 

Dois mentirosos e alguns mais

A indignada expectativa do mundo com o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips ficou à margem do breve encontro de Joe Biden e Bolsonaro, mas, ainda assim, teve a presença mais forte no falso diálogo dos dois mentirosos.

Isso se deu sob a forma de um insulto dúplice de Biden e Bolsonaro, cada qual à sua maneira, e do cinismo como sua linguagem presidencial. Se os viu por TV, por certo Putin sentiu-se abonado.

Bolsonaro, sempre o mesmo dizendo ou desdizendo-se, foi o que é: "O Brasil preserva muito bem o seu território. Nossa legislação ambiental é bem rígida, fazemos o possível para cumpri-la, pelo bem de nosso país".

Biden, o rosto sempre contido em indefinição putiniana, conseguiu encaixar na brevidade toda a impostura: "O Brasil é um país maravilhoso, com instituições fortes. Vocês procuram proteger a Amazônia".

Essas frases insultam, debocham dos que denunciam, perdem empregos, se arriscam em luta na defesa da Amazônia. Dessa obra-prima da natureza, entregue por Bolsonaro e pelos militares bolsonaristas à sanha das milícias de garimpeiros e madeireiros ilegais, saqueando e contrabandeando riquezas em reservas indígenas e em terras da União.

Livres e impuníveis para matar, para estuprar e escravizar mulheres indígenas, para sequestrar e eliminar curumins.

Biden sabe disso mais do que a maioria dos informados: o Sivam-Sistema de Vigilância da Amazônia está entregue à Raytheon, empresa estratégica com fortes ligações ao Pentágono. Jornais e TV americanos, universidades, ONGs e variados movimentos americanos fazem mais denúncias e defesa da Amazônia do que os brasileiros.

De olho em interesses dos Estados Unidos, Biden se pôs no lado de Bolsonaro. Demonstrou-se capaz até de absorver a desaforada acusação de Bolsonaro, repetida a 24 horas do encontro, de fraudulências eleitorais na derrota de Trump.

Diferenciou-se de Bolsonaro por um pormenor: pôde olhá-lo quando falava e quando o ouvia, ao passo que Bolsonaro não pôde olhá-lo quando falava nem quando ouvia — tinha que ler, na sua leitura sofrida, o papel mal escondido entre as pernas, sobre o assento, com o que devia dizer.

Seria mais um ridículo risível, não houvesse tanto a deplorar desse encontro de mentiras, cinismo e rebaixamento moral e político do Brasil por Bolsonaro. Só Biden pôde ter um ar de riso interior.

Aqui também os seguidores de Bolsonaro cercaram de mentiras o desaparecimento de Dom e Bruno. Daí a importância da exigência, feita no Supremo pelo ministro Luís Roberto Barroso, de informações das "forças de segurança" sobre sua "ação" no caso.

Isso, depois da exigência, 24 horas antes da primeira notícia do desaparecimento, de que Polícia Federal cumpra em dez dias as medidas contra os denunciados estupros e assassinatos de yanomamis.

Natuza Nery, revelação do jornalismo político em TV, e os excelentes André Trigueiro e Marcelo Lins, desmontaram várias mentiras de militares e policiais. Como a ilegalidade dos desaparecidos ao estar sem autorização em reserva indígena.

O presidente da Funai, Marcelo Xavier, mentiu: navegavam e sumiram fora de reserva. A "ação imediata", assegurada por generais, não foi imediata e é duvidoso que se chame de ação. Nem os desaparecidos faziam "uma aventura", como dizem Bolsonaro e seguidores seus, mas trabalho de jornalista e indigenista, ambos com alta qualificação.

O polêmico jornalismo brasileiro de TV fez um avanço importante com a ênfase lúcida que os três repórteres/comentaristas ousaram. E também a GloboNews, claro.

Bruno Araújo Pereira fez entrega à Polícia Federal e ao Ministério Público de informações sobre comprometidos com assassinatos e explorações ilegais, entre eles Amarildo Oliveira e um tio seu.

Tudo sugere que a denúncia e seu autor foram informados aos denunciados. Daí surgiria um encontro deles com Dom e Phillips, ao qual o tio faltou. Uma cilada, então. Da qual Amarildo saiu em perseguição de lancha ao indigenista e ao jornalista, logo depois desaparecidos.

Vazamentos desse tipo não ocorrem sem motivação interessada. Como e quem passou a informação deveria ser investigado. É sugestivo que não o seja.



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Recentes:


Governo da Espanha homenageia membros da Igreja Católica - parceira de Franco - e esquece 1500 vítimas do ditador


Monumento aos 1500 mortos pelo franquismo em León, Espanha
foto: Olga Rodriguez


Assim começa artigo da jornalista Olga Rodriguez no jornal espanhol El Diario:

Santos ya tiene un lugar al que podemos llevarle flores.

Permítanme que comparta con ustedes algo personal. Ocurrió el pasado sábado, 12 de octubre, Día de las Fuerzas Armadas. Mientras el presidente del Gobierno y los príncipes de Asturias asistían al desfile del ejército, mientras se realizaban los preparativos para beatificar a 500 curas ‘mártires’ de la persecución religiosa en la Guerra Civil, un grupo de personas nos reunimos en el cementerio de León para celebrar la inauguración de un monumento a más de 1.500 víctimas del franquismo. Entre ellas, mi bisabuelo, “el abuelo Santos”.
No artigo, chamado A História não oficial, a jornalista faz uma comparação entre dois eventos que se deram no mesmo dia, e mostra o comportamento do governo espanhol, que apoiou e se fez presente na homenagem aos sacedotes, mas não mandou sequer representante na inauguração do monumento às 1500 vítimas do franquismo.

Mais uma vez, como em outra postagem aqui do blog (Ao escrever sobre herança maldita do franquismo na Espanha, jornalista parece falar da ditadura brasileira) em que comento outro artigo de Olga Rodriguez, fica clara a semelhança entre os processos vividos pela Espanha e pelo Brasil, em relação às ditaduras de lá e daqui.

Quando sabemos que a Igreja Católica praticamente dividiu a cadeira do governo da Espanha com o ditador facínora Francisco Franco, e ainda assim o governo atual homenageia sacerdotes e se esquece das vítimas civis, assassinadas e desaparecidas, ficam evidentes as semelhanças com o Brasil, onde diversas avenidas, praças e monumentos homenageiam ditadores e torturadores, enquanto várias famílias ainda não sabem nem dos corpos de seus mortos...

En un acto claramente político, la Iglesia beatificó a más de 500 religiosos caídos en la Guerra Civil, ignorando a las víctimas republicanas y a los curas represaliados por el fascismo. Al acto, celebrado en Tarragona, acudieron los ministros de Justicia e Interior, el presidente de la Generalitat, el presidente del Congreso, más de 80 alcaldes, 104 obispos, más de 1.300 sacerdotes. El propio Papa intervino con un mensaje en la ceremonia, que fue retransmitida en directo por La 2.  

(...) Horas antes de la ceremonia de beatificación varios centenares de personas asistíamos en León a esa inauguración del monumento en memoria de más de 1.500 fusilados del franquismo. Setenta y siete años después del asesinato y desaparición de mi bisabuelo, por fin un acto público iba a honrar su memoria, en alto, sin miedo, sin susurros. Decenas de mujeres y hombres, ya ancianos, presenciaron de este modo el primer homenaje a sus seres queridos asesinados o desaparecidos. Hubo emoción y dignidad. Sin embargo, ninguna autoridad se dignó a asistir a este acto, a pesar de tratarse de uno de los mayores monumentos a las víctimas del franquismo.

A Lei da Anistia tem que cair, na Espanha e no Brasil. Para que se faça justiça, para que a história não passe em branco e a impunidade acabe servindo de incentivo a futuros golpistas e eles venham praticar horrores semelhantes.

Leia o artigo de Olga Rodriguez na íntegra, clicando aqui.



Madame Flaubert, de Antonio Mello

Teste. De quem é este artigo muito bom que critica reação do Exército ao livro ‘Direito à memória e à verdade’?

Mandem seus palpites.

O ministro Nelson Jobim disse que a questão militar foi superada. Foi mesmo, mas nos seguintes termos: os militares ficaram com a última palavra, o ministro teve que recolher sua ameaça, e o Brasil engoliu mais uma nota do Alto Comando do Exército. Para os militares, não houve o que todos sabem que houve dentro dos quartéis: tortura e assassinatos de dissidentes do regime militar.

As Forças Armadas hoje não ameaçam a democracia; não há clima, dentro ou fora dos quartéis, que faça o Brasil perder um minuto do seu sono com riscos de repetir o que houve nos anos 60. Duas coisas incomodam os militares: os soldos e o registro histórico dos crimes cometidos no passado pela corporação.

Há fatos, comprovações, testemunhas e vítimas a confirmar que as Forças Armadas, especialmente o Exército, permitiram que nas suas dependências fossem cometidos crimes contra os direitos humanos, contra a dignidade da pessoa humana e contra o estado de direito. Mas o comandante do Exército, Enzo Peri, reuniu o Alto Comando para afirmar que “fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas”. Ou seja, na visão dos generais, tudo é relativo. Democracia ou ditadura é uma questão de ponto de vista, de interpretação. A nota diz ainda que a instituição nunca mudou. “Não há Exércitos distintos.”

Não houve desvio de suas funções, não houve erro, nada a rever. No passado recente o Exército comandou um governo que, por 21 anos, desrespeitou as leis democráticas. Se o Exército é o mesmo de ontem, o quadro é assustador. Isso é ensinado aos jovens que entraram depois daqueles tempos nos quartéis. Os jovens oficiais e recrutas só podem concluir duas coisas: ou as Forças Armadas estavam absolutamente certas ao prender, torturar e matar os opositores, tomar o poder civil, impor atos institucionais, rasgar a Constituição, suspender direitos individuais, cassar políticos e os perseguir, aposentar ministros do Supremo, fechar o Congresso, censurar a imprensa e as artes; ou então o país está prisioneiro de um delírio coletivo imaginando fatos que nunca ocorreram.

O pior papel coube ao ministro da Defesa.

— Não haverá indivíduo que possa a isso reagir e, se houver, terá resposta — disse Nelson Jobim, referindo-se ao documento que oficialmente responsabiliza as Forças Armadas por crime durante a ditadura.

O Alto Comando se reuniu, redigiu a nota e reagiu ao ministro. Jobim, diante da resposta, fez uma rápida manobra de recuo. Se era para recolher-se assim tão instantaneamente, o ministro da Defesa não deveria ter dito o que disse.

A nota dos militares repete que a Lei da Anistia foi recíproca e que é parâmetro de conciliação. A Lei da Anistia é de 1979, plena ditadura. Isso foi anos antes de um sargento e um capitão terem ido ao Riocentro com o inequívoco propósito de jogar bomba em estudante. Quem poderia naquela época contestar os termos da “concórdia”?

O que se falou na semana passada, no Palácio do Planalto, na divulgação do livro “Direito à memória e à verdade” é que os parentes dos mortos e desaparecidos têm o direito a enterrar seus restos mortais. Não é possível que, 22 anos depois de o último militar presidente ter saído do Planalto, a memória e a verdade continuem prisioneiras e que certos assuntos sejam intocáveis, sob pena de os comandantes militares soltarem mais uma nota reafirmando que estavam certos.

Em 2004, no caso da divulgação das supostas fotos de Vladimir Herzog, o Centro de Comunicação do Exército divulgou uma nota justificando a tortura e o aparelho repressivo. Na visão expressa na nota, as Forças Armadas tinham feito um trabalho de pacificação nacional. “Dentro dessa medida, sentiu necessidade de criação de uma estrutura com vistas a apoiar, em operações e inteligência, as atividades necessárias para desestruturar os movimentos radicais e ilegais.” Ou seja, os doi-codis foram a “resposta legítima”, como disse a nota.

O coronel João Batista Fagundes, representante das Forças Armadas na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, disse que a divulgação do livro gerou “inconformismo nos setores militares”. Sugeriu que tudo seja tratado como nos livros de História: “Como se trata a Inconfidência Mineira e a escravatura.” Esse é um ponto interessante. De fato já é História. Não seria aceitável que nos livros de História houvesse a defesa da perspectiva de Maria, a Louca, em vez da dos inconfidentes; ou que a escravidão fosse tratada do ponto de vista dos senhores de escravos. Da mesma forma, não se pode registrar lá que a ditadura estava certa.

O pensamento dos militares é que eles reagiram à radicalização de grupos que agiam de maneira clandestina e ilegal. A verdade é que a radicalização foi precedida pelo fechamento de todos os canais de expressão normais na democracia. Mas, sobretudo, o erro institucional do Exército foi apossar-se do aparelho de Estado e cometer atos que são crime em qualquer país civilizado. A condenação é maior quando é o Estado que infringe a lei. Se os militares não entenderem o que fizeram de errado, duas décadas depois, o perigo continuará vivo. Não agora. Mas em algum momento no futuro. Os jovens militares estão agora sendo ensinados que aqueles crimes não foram crimes. Porque tudo é relativo e depende da ótica do protagonista.

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Blog do Mello: Download do livro Direito à Memória e à Verdade

Esta é a Apresentação do livro Direito à Memória e à Verdade, lançado no último dia 29 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos. (Os destaques em negrito são meus).

Este livro-relatório tem como objetivo contribuir para que o Brasil avance na consolidação do respeito aos Direitos Humanos, sem medo de conhecer a sua história recente. A violência, que ainda hoje assusta o País como ameaça ao impulso de crescimento e de inclusão social em curso deita raízes em nosso passado escravista e paga tributo às duas ditaduras do século 20.

Jogar luz no período de sombras e abrir todas as informações sobre violações de Direitos Humanos ocorridas no último ciclo ditatorial são imperativos urgentes de uma nação que reivindica, com legitimidade, novo status no cenário internacional e nos mecanismos dirigentes da ONU.

Ao registrar para os anais da história e divulgar o trabalho realizado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos ao longo de 11 anos, esta publicação representa novo passo numa caminhada de quatro décadas. Nessa jornada, uniram-se para um esforço conjunto brasileiros que se opunham na arena política imediata.

Sob a gestão de Nelson Jobim no Ministério da Justiça, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade frente à questão dos opositores que foram mortos pelo aparelho repressivo do regime militar. Papel decisivo nessa conquista tiveram os familiares dos mortos e desaparecidos, com sua perseverança e tenacidade, e o futuro ministro José Gregori, então chefe de Gabinete do Ministério da Justiça.

O Executivo Federal preparou um projeto que o parlamento brasileiro transformou em lei em dezembro de 1995, criando uma Comissão Especial com três tarefas: reconhecer formalmente caso por caso, aprovar a reparação indenizatória e buscar a localização dos restos mortais que nunca foram entregues para sepultamento. A Comissão Especial manteve uma coerente linha de continuidade atravessando, até o momento, quatro mandatos presidenciais. Durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei foi ampliada em sua abrangência e praticamente se concluiu o exame de todos os casos apresentados.

Uma dupla face deste Brasil que rompe o século 21 – com sonhos e desafios novos – saltará à vista dos leitores deste livro, sejam eles vítimas do período ditatorial, sejam eles apoiadores daquele regime, sejam juízes, procuradores, parlamentares, autoridades do Executivo, jornalistas, estudantes, trabalhadores, cidadãos e cidadãs de todas as áreas.

Uma face é a do país que vem fortalecendo suas instituições democráticas há mais de 20 anos. É a face boa, estimulante e promissora de uma nação que parece ter optado definitivamente pela democracia, entendendo que ela representa um poderoso escudo contra os impulsos do ódio e da guerra, que sempre se alimentam da opressão.

A leitura também mostrará uma outra face. É aquela percebida nos obstáculos que foram encontrados por quem exige conhecer a verdade, com destaque para quem reclama o direito milenar e sagrado de sepultar seus entes queridos. Na história da humanidade, os povos mais sanguinários interrompiam suas batalhas em curtas tréguas para troca de cadáveres, possibilitando a cada exército, tribo ou nação prantear seus mortos, fazendo do funeral o encerramento simbólico do ciclo da vida.

Nenhum espírito de revanchismo ou nostalgia do passado será capaz de seduzir o espírito nacional, assim como o silêncio e a omissão funcionarão, na prática, como barreira para a superação de um passado que ninguém quer de volta.

O lançamento deste livro na data que marca 28 anos da publicação da Lei de Anistia, em 1979, sinaliza a busca de concórdia, o sentimento de reconciliação e os objetivos humanitários que moveram os 11 anos de trabalho da Comissão Especial.

Paulo Vannuchi
- Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
Marco Antônio Rodrigues Barbosa
- Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Para fazer o download de Direito à Memória e à Verdade na íntegra, em formato pdf, clique aqui.

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