Frei Betto desabafa: 'Não há como conviver mais 2 anos e meio com um governo genocida'


Para falar sobre o lançamento de seu mais recente livro O diabo na corte - Leitura crítica do Brasil atual, Frei Betto deu uma entrevista a Lu Sudré, do Brasil de Fato.

Nela, Betto comenta a crise da pandemia no Brasil e no mundo, agravada pelos governos genocidas como o de Bolsonaro, e de sua preocupação com o futuro do país e do planeta.

A entrevista pode ser lida na íntegra aqui, mas vou publicar alguns trechos a seguir:
Brasil de Fato - Em 2019, 43,1 milhões de pessoas foram afetadas pela insegurança alimentar moderada e severa no Brasil. É um contingente muito grande de pessoas. O que nos levou a chegar a essa marca?
Frei Betto - Isso é mais do que a população da maioria dos países da América Latina. É óbvio que os que no levou a alcançar essa marca foi a falta de uma política de segurança alimentar do governo Bolsonaro, considerando o genocídio que se produz nesse país, especialmente em cima do surto do novo coronavírus. 
Ou seja, no dia em que estamos falando, 73 mil pessoas, desde março, faleceram por descaso do nosso governo. Quando penso que em um país como Cuba, faleceram 86 pessoas, em um país como o Vietnã, nenhuma pessoa, porque os governos tomaram as medidas de precaução... Aqui não. Aqui, realmente, o governo é cúmplice do genocídio e dessa mortandade. 
Há várias políticas para salvar vidas que foram articuladas no Brasil durante os 13 anos do governo do PT e todas elas estão sendo desarticuladas e desmontadas. Isso vale para a questão trabalhista, previdenciária, proteção dos povos indígenas, dos quilombolas. 
Todas as medidas de proteção da vida dos mais pobres estão sendo totalmente desmontadas em uma política intencional de genocídio. Isso exemplificado nessa semana, quando o presidente veta o dispositivo da lei de precauções sanitárias, que previa a doação de máscaras para pessoas presas. 
E já são mais de 700 presos infectados no Brasil, inclusive um deputado que estava preso lá no Paraná, Meurer, primeiro condenado da Lava Jato. Preso, 78 anos, morreu antes de ontem. Já são 72 presos mortos. Quando o presidente assina um decreto vetando que se distribua máscara, uma coisa muito simples, é porque ele quer que os presos morram. Não é que isso representa um gasto, é porque para ele, "bandido bom é bandido morto". Exatamente o lema dos esquadrões da morte, das milícias, dos gabinetes de ódio.
Eu creio que a razão do aumento da insegurança alimentar no país e das pessoas em situação de fome, é em decorrência da falta de uma política de atenção básica da nossa população.
O que é mais grave é que mesmo esse auxílio emergencial não é suficiente. Primeiro, 70 milhões de pessoas se alistaram, muito mais que o previsto, o que revela que existe um contingente de pessoas em extrema pobreza muito maior do que se pensava. Segundo, dessas, os recursos chegaram a apenas 49%. Ou seja, há uma margem de recursos que foi destinado para os mais pobres, teoricamente, no papel, e não chega a eles.
E terceiro, muitos oportunistas, bandidos, corruptos e aproveitadores, inclusive recrutas e oficiais das Forças Armadas. Muita gente que não merece se inscreveu e recebeu. Enquanto inúmeros outros que necessitam, precisam, estão na extrema pobreza, por conta da burocracia, falta de internet, pessoas desprovidas desses recursos tecnológicos, ficam sem receber.
Mapa da Fome, qual o peso de programas como o Bolsa Família, por exemplo? Como o senhor avalia a forma que o governo lida com esse programa?
Ele lida constrangido. Primeiro, ele gostaria que esse programa não existisse. Segundo, ele se sente constrangido por esse programa não ter sido uma criação dele, foi uma criação do PT. Que primeiro criou o Fome Zero onde eu trabalhei. Depois o Fome Zero ganhou o nome de Bolsa Família quando houve uma mudança de sua estrutura.
(...)
Pois bem. Essas políticas de segurança alimentar adotadas no Bolsa Família, um programa que eu aplaudo devido à importância que ele tem.. Mais de 50 milhões de famílias beneficiadas. Mas o governo Bolsonaro não tem interesse em ampliá-lo. Hoje existe uma fila imensa de pessoas, quase 1 milhão, esperando a adesão.
E agora isso vai aumentar. O desemprego oficial já era, no início da pandemia, de 12 milhões de pessoas. Agora, com o início da pandemia, esse número chega a 28 milhões de pessoas. Imagina, 28 milhões de pessoas em uma população com 100 milhões de trabalhadores economicamente ativos. Somos 200 milhões de habitantes e todos somos sustentados por esses 100 milhões que trabalham. 
É muito grave o que vem acontecendo porque a pandemia aumentou o desemprego e aumentou a insegurança trabalhista. As questões trabalhistas já vinham sendo sucateadas desde a reforma trabalhista.
Uma série de medidas foram adotadas para colocar no chão todas as conquistas da classe trabalhadora que estavam consolidadas na CLT. Isso tudo foi desarticulado com as reformas trabalhistas e previdenciárias. E hoje temos uma uberização do trabalho. Cada vez mais o empregado é praticamente um escravo, realmente não tem garantias. 
E ele tem que trabalhar muito e excessivamente para conseguir assegurar o mínimo de sobrevivência. Por isso é muito importante essa reação dos entregadores de encomendas, os motoboys entregadores têm feito ultimamente.
Como o Estado brasileiro deveria estar agindo nesse momento? Qual o papel do Estado em meio à crises como essa?
O que o Estado deveria fazer, nesse governo, seja com Bolsonaro ou com Mourão, não tem nenhuma perspectiva. A pergunta que temos que fazer é o que o povo brasileiro deve fazer. O que os movimentos sociais, as instituições democráticas e os partidos progressistas devem fazer. Temos que agir cada vez mais. É uma atrocidade o que vem acontecendo em nosso país.
É preciso pressionar cada vez mais o Congresso para tomar medidas contrárias a essas que o Bolsonaro tem assinado, medidas provisórias que ele propõe. E no momento que a pandemia cessar, vamos para rua. Não tem outro jeito. Vamos ocupar as ruas como já tinha começado no início da pandemia, para manifestar a nossa insatisfação e tentar mudar esse quadro político. Não dá pra pensar na possibilidade de conviver mais dois anos e meio com um governo genocida. 
Um governo geocida porque a questão do desmatamento da Amazônia, da desproteção ambiental, de deixar passar a boiada, favorecer as mineradoras do garimpo ilegal, permitir invasão das áreas indígenas. Tudo isso é uma desgraça absoluta sobre o Brasil, uma desgraça absoluta sobre o Brasil. E só há uma possibilidade de deter esse processo, que é a mobilização popular.




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