Processado por Aras, professor desmascara o santo protetor de Bolsonaro na PGR em artigo demolidor

O PGR Augusto Aras resolveu processar o professor Conrado Hubner Mendes, como tem acontecido usualmente no governo contra opiniões divergentes. Aras quer ver o professor preso por tê-lo chamado de Poste Geral da República, por sua submissão interesseira (quer ser indicado à vaga de Marco Aurelio Mello no STF) a Bolsonaro.
 
Sem se intimidar, Conrado Hubner escreveu novo artigo na Folha desmascarando o PGR em análise cirúrgica e demolidora. E que bota foco num problema: o poder quase sem limites de um Procurador Geral da República. Aprecie:

Cuidado com o ilusionismo embutido na verborragia jurídica. Ele não diz o que faz, nem faz o que diz. Do mesmo jeito que pode haver autoritarismo disfarçado de democracia, violência pintada de liberdade, charlatanismo vendido como cura e genocídio como incompetência, pode haver omissão vestida de ação. De fato, não é por falta de trabalho que se lidera omissão institucional dessa magnitude.

Há muito suor e grito por trás do nada fazer contra a política bolsonarista do deixa morrer. O diabo mora nos truques processuais e retóricos. Nesse caso, nas tais “apurações preliminares”.

Costumam funcionar assim: notícias-crime apresentadas ao PGR podem ser arquivadas sumariamente ou virar apurações preliminares; como arquivamentos sumários vinham se avolumando, atores passaram a apresentar notícia-crime ao STF, que tem o dever de encaminhar ao PGR; essa via alternativa criou constrangimentos adicionais ao PGR.

Nesse caso, Aras costuma instaurar apurações preliminares, nome que exala impressão de diligência (mas pode não ser mais que procedimento parado); pode esperar pressão pública se diluir e arquivá-los a qualquer momento; ao contrário de arquivamentos feitos por promotores em geral, arquivamentos do PGR não aceitam recurso, apenas “pedido de reconsideração” para o PGR, que pode ignorar (e tem ignorado). Não há corregedoria.

Administrar o tempo do arquivamento quando a pressão dos holofotes se retrai tem sido sua arte. E quando diz que o “STF acolheu”, insinua que o STF concordou. Contudo, o STF não tem poder de rejeitar. Assim funciona a divisão de trabalho entre Ministério Público e Judiciário no sistema acusatório.

Dos 78 procedimentos, há notícia de apenas três virarem inquéritos: interferência na Polícia Federal, manifestações por intervenção militar e colapso em Manaus. Curiosamente, os dois últimos excluíram o protagonista Bolsonaro da investigação.

Apurações preliminares só se converteram em inquérito diante de pressão pública incontornável. Podem também ser arquivados pelo PGR, mas ao menos o deixam mais exposto, pois correm sob supervisão do STF. Exceto se o STF mudar sua jurisprudência, nem o pastor pode reverter arquivamento monocrático do PGR.

A operação de busca e apreensão contra Ricardo Salles foi ordenada pelo STF sem a anuência do PGR, saída heterodoxa de Alexandre de Moraes. Não precisa de muita imaginação para decifrar o porquê. Damares Alves, Eduardo Bolsonaro e general Heleno, beneficiados por arquivamentos preliminares, não tiveram esse azar. Eram graves as acusações.

Se Aras desse maior transparência aos 78 procedimentos, teríamos discussão informada. Mas como decretou sigilo de muitos, sob justificativa irrecorrível, sonega a fiscalização pública. Ninguém sabe o que se passou neles.

Não existe órgão monocrático com esse grau de irrecorribilidade no sistema de Justiça brasileiro. Nem presidente da República ou ministro do STF gozam de tamanha blindagem.

A Constituição não se preparou para neutralizar ação coordenada entre PGR e presidente. Viabilizou golpe perfeito a partir da combinação de três características do cargo de PGR: livre nomeação pelo presidente (que pode ignorar lista tríplice); livre de controle (“irrecorrível”); livre para promoção imediata (sem quarentena) ao STF.

Um par da estirpe de Aras e Bolsonaro, quando opera em concerto, extrai o máximo dessa arquitetura da omissão e da cooptação. Esse e outros déficits republicanos da democracia brasileira pedem reforma constitucional urgente.

Aras pode entender apurações preliminares, destinadas à gaveta e ao arquivo, como prova de séria dedicação à sua função. Só não pode impedir que tantos observadores, e até ministros do STF, enxerguem coisa pior.



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