Estas duas crianças palestinas entraram sem pedir licença na minha vida e eu já não consigo mais viver sem elas

Estas duas crianças palestinas entraram sem pedir licença na minha vida e eu já não consigo mais viver sem elas.

Tudo o que falo, em cada pequeno gesto, eu me recordo das duas, de seus olhares infantis, no mais profundo significado da palavra, na essência dela.

Não há como não pensar nessas irmãzinhas, ou irmãozinhos, se despedindo dos pais para irem à escolinha brincar com os colegas e aprender as letras e as palavras e as historinhas infantis palestinas.

Tomaram antes um café da manhã? O que comeram antes de saírem assim sujinhas, uma até descalça, a caminho da escola que provavelmente não há mais?

Onde foi parar a professorinha delas, se ainda está viva? E os coleguinhas todos, se já foram mortas por Israel quase nove mil crianças nestes quase três meses de genocídio?

Uma delas segura seu caderno com todo cuidado; a outra, a alça da mochila. Companheiros da escola, mochila e caderno ainda as acompanham diante do fotógrafo. Atrás delas, o que restou de parte de sua cidade, da terra que as viu nascer, as acolheu e que deveria ser delas de direito, pois são palestinas em terras palestinas.

Mas uma das mais poderosas Forças Armadas do planeta, apoiada pela mais poderosa, decidiu que os palestinos não têm direito a essa terra, que "Deus" a teria destinado aos judeus, quando quem os colocou ali ao lado foram os europeus e os Estados Unidos, para expulsá-los, os judeus, da Europa.

As duas crianças ignoram tudo isso e sorriem para o fotógrafo. Posam com os rostos coladinhos e o sorriso que só as crianças têm.

Desde o momento em que as vi, o efeito delas sobre mim foi como o do menino Jesus do poema de Alberto Caeiro, uma alegria, uma sensação de vida renovada, de que, apesar de tudo, sorrir é possível, quando ainda temos a criança que fomos dentro de nós.

A minha foi despertada por essas duas crianças, que encheram meu coração de alegria em meio a tanto desalento.

E é dessa imagem que envio meu desejo de um ano próspero e feliz, a começar pelo delas, que consigam sobreviver e sua terra lhes seja finalmente reconhecida como delas com a Palestina livre.

Que o sorriso dessas crianças em meio aos escombros e crueldades de um genocídio nos inspirem a levantar, erguer a cabeça e sorrir para o fotógrafo da vida. Exatamente como elas.

Feliz 2024.


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Gilmar e uma boa previsão brasileira para 2024


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Milei. Jornalista que defendeu que argentino coma apenas uma vez por dia vira ministro. Faz sentido

É dada como certa na Argentina a nomeação do jornalista Eduardo Serenellini como novo Secretário de Comunicação de Javier Milei. Será o terceiro, em menos de um mês de governo. Mas agora parece que é o homem certo no lugar certo.

Há pouco tempo, em um programa de TV, Serenellini se mostrou o mais "mileísta" dos jornalistas, vestiu a camisa do governo sem vergonha e defendeu que os argentinos deixassem de consumir streaming, abrisse mão do automóvel, e adotasse o hábito de comer apenas uma vez ao dia.

Segundo o El Cronista, Serenellini será o novo secretário de comunicação de Javier Milei.

Ele virá em substituição a Belén Stettler, funcionário muito próximo de Santiago Caputo que deixaria o poder Executivo Nacional.

“Estamos fazendo mudanças na Secretaria de Comunicação. Anunciamos na terça-feira”, disseram fontes do governo ao El Cronista, portanto a chegada do novo funcionário só ocorreria na próxima semana. 

Aqui o vídeo que provavelmente selou a convocação de Serenellini para o cargo. Repare o trabalho "jornalístico" quando se vende à agenda de um governo.

Chegam a explicar a uma mãe como ela deve fazer: de preferência dar comida a toda a família à noite, para que as crianças durmam com a barriga cheia. Durante o resto do dia "vamos vendo"...

Não se questionam se Milei cortará na ração de seus cachorros conselheiros. Milei, que teve como primeira medida chutar a lei do nepotismo para o espaço e arrumar uma boquinha no governo para a irmã.

Fica clara a frase lapidar de Joseph Pulitzer sobre esse tipo de jornalismo e jornalistas:

"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma"





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Fraga e a chegada do Ano Novo no delivery


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Um dos donos da Americanas transfere R$ 29,5 bi para filho. É a meritocracia fazendo mais um bilionário

Marcel Telles é o terceiro brasileiro mais rico do mundo, atrás apenas de Vicky Safra e Jorge Paulo Lemann. 

Telles é uma das peças do triunvirato do rombo de R$ 47 bilhões das Americanas — os outros são Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira.

Perto do Natal, Marcel Telles doou sua participação na cervejaria AB InBev para o seu filho mais novo, Max Telles. É a meritocracia fazendo mais um bilionário no Brasil.

— E para as Americanas?
— Nada.
— E para o filhinho?
— A maior cervejaria do mundo!

E viva a meritocracia que eles tanto defendem. A "gestão profissional", que não permite que nenhum filho dos três bilionários trabalhe em suas empresas. Só podem ser donos.

Além do mais, é preciso pensar que, caso a Justiça faça corretamente sua parte, o trio de bilionários terá que comparecer com alguns bilhões para ressarcirem o imenso rombo das Americanas. Não seria o caso de barrar qualquer transação bilionária dessas do trio, até que o caso esteja resolvido na Justiça? Afinal, de doação em doação para filhos e outros, ao final o trio pode argumentar que está tão duro quanto eu (Ok, aí já é exagero...).

É bom lembrar que a fraude dos bilionários daria para pagar um salário mínimo por mês a 100 mil brasileiros por 30 anos

 

E os R$ 47 bilhões do rombo das Americanas?

Este é o verdadeiro tamanho do rombo das Americanas. Que na verdade não é "das Americanas" é o rombo (roubo?) "dos bilionários donos das Americanas". 

Pelo menos da última vez em que foi noticiado. Porque aos poucos a sujeira vai sendo jogada para baixo do tapete e a notícia vai sumindo da mídia, até desaparecer por completo e ficar tudo por isso mesmo. 

Menos para os trabalhadores, que estão sendo demitidos desde o primeiro dia em que a fraude bilionária foi descoberta. Aliás, descoberta ela já havia sido. Pelos bilionários. Nós é que só ficamos sabendo depois que ela foi revelada, pois o rabo estava maior do que o gato e não dava mais para esconder.

Mas a gente fala em R$47 bilhões, sabe que é muuuuito dinheiro, mas só tem a dimensão real do tamanho que este valor significa, quando ele pode ser comparado com unidades que a gente compreenda. Caso contrário é só uma montanha de dinheiro.

Muita gente já viu a comparação entre milhão e bilhão relacionada a segundos. 1 milhão de segundos equivalem a uma semana, 4 dias e uns quebrados. Agora, 1 bilhão de segundos são 32 anos. De uma semana e meia para 32 anos. Essa é a diferença entre milhão e bilhão.

Os R$ 47 bilhões desviados pelos bilionários na fraude das Americanas dariam para pagar um salário mínimo mensalmente a 100 mil brasileiros durante 30 anos.

100.000 (número de trabalhadores) x 1320 (salário mínimo atual) x 360 (número de meses de 30 anos) = 47 bilhões e 520 milhões de reais.

E, se a gente não ficar lembrando, vai cair no esquecimento e na impunidade.


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Titanic. O motivo insólito que salvou a vida do padeiro chefe do navio

Charles Joughin era o padeiro chefe do Titanic, o homem responsável por fazer delícias da panificação para os milhares de pessoas a bordo. 

Mas Charles também foi um herói improvável, salvando a vida de inúmeras pessoas, inclusive a sua, graças a um hábito não recomendável.

Quando o Titanic se chocou com um iceberg e começou a ficar claro que iria naufragar, a correria foi intensa para os botes de salva-vidas. 

Na realidade, como o Titanic (e alguns de nossos sonhos) era "inafundável" (e no entanto afundou, como alguns de nossos sonhos), havia poucos botes a bordo, em relação ao número de passageiros.

O padeiro chefe subiu ao convés e ajudou a botar mulheres e crianças a bordo. Mas alternava esse trabalho com descidas ao estoque onde tomava uma generosa dose de uísque.

Assim, salvando e entornando, Charles Joughin era um dos mais ativos a bordo, ajudando até a ir buscar em suas cabines os passageiros que se recusavam a abandonar o navio, pois acreditavam que era boato, pois o Titanic seria à prova de naufrágios.

À medida que o navio continuava a afundar, Joughin manteve este padrão: ajudar os outros a entrar nos botes salva-vidas, descer para tomar outro gole e depois retornar ao convés para continuar ajudando os outros. Joughin ajudou outros membros da tripulação a garantir que mulheres e crianças chegassem aos botes salva-vidas, às vezes até contra a sua vontade. 
Estes eram como bolsomínions que até hoje acham que Bolsonaro é honesto, trabalhador, incorruptível, fez ótimo governo e só não fez mais nem foi reeleito porque a imprensa e o comunismo não deixaram — além das "urnas roubadas", naturalmente.

Joughin pegava-os na marra e os jogava nos botes, o que salvou a vida de muitos.

Até que o Titanic afundou. Segundo se conta (e foi mostrado no filme já clássico de Cameron), o Titanic se partiu em dois, uma parte ficando para cima, embicada, que desceu suavemente.


 

Lá em cima, na ponta, estava o padeiro chefe, que teria descido às aguas como se fosse por um elevador. 

A temperatura das águas naquela noite girava em torno de 10 graus centígrados, fria o suficiente para matar de hipotermia.

Mas Charles aguentou firme a água fria e foi salvo por uma das embarcações.

Segundo cientistas, foi o uísque que consumiu que o salvou. 

"A maioria das pessoas que ficam submersas em água fria morre de “choque térmico” e não de hipotermia. A experiência de estar submerso em água abaixo de 10 graus Celsius pode levar a uma respiração rápida e superficial, vasos sanguíneos contraídos e outras respostas de pânico do corpo. A maioria das pessoas morre por afogamento ou parada cardíaca antes que a hipotermia se instale."

Como Charles Joughin estava completamente bêbado quando chegou à agua, nem a sentiu tão fria nem se apavorou, pois não tinha condições de avaliar a gravidade do momento, graças à "coragem" fornecida pelo álcool.

O poeta Vinicius de Moraes certamente ergueria um brinde ao padeiro, pois para ele, se o cachorro é o melhor amigo do homem, "o uísque é o cachorro engarrafado".

 

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Céllus e alguém que está na fila há muito tempo do Minha Cela Minha Vida


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Por falta de vacina, homem vive há 70 anos dentro de tubo de aço

Paul Alexander foi uma criança normal até os seis anos de idade, quando contraiu poliomielite, uma doença para a qual não havia vacina na época, 1952. 

Seu quadro se agravou, os músculos da respiração pararam de funcionar e ele teve que entrar no tubo de aço, única forma de mantê-lo vivo.

Todo o seu corpo fica dentro do tubo, apenas a cabeça para fora. E assim ele vive, há 71 anos.

O pulmão de ferro, também conhecido como ventilador de pressão negativa, é um grande cilindro horizontal projetado para estimular a respiração em pacientes que perderam o controle dos músculos respiratórios. A cabeça do paciente fica exposta fora do cilindro, enquanto o corpo é selado por dentro. 

A pressão do ar dentro do cilindro é alternada para facilitar a inspiração e a expiração. Em meados do século XX, os pulmões de ferro eram amplamente utilizados para tratar pacientes com poliomielite, uma doença viral altamente contagiosa que pode causar paralisia e insuficiência respiratória. No entanto, com o desenvolvimento da vacina contra a poliomielite nas décadas de 1950 e 1960, a incidência da poliomielite diminuiu drasticamente e o uso de pulmões de ferro tornou-se menos comum.

Neste vídeo, ele conta como tudo aconteceu rapidamente. Em apenas cinco dias ele passou de uma criança normal ao "Homem do pulmão de ferro", como é chamado até hoje.

Paul narra como as pessoas ficam desconfortáveis em sua presença, mas que tenta levar uma vida normal, dentro de suas imensas limitações.

Ainda assim, Paul estudou e escreveu um livro, onde busca inspirar as pessoas.

 

 

Hoje, ainda há algumas pessoas no mundo que dependem de pulmões de ferro para sua sobrevivência. Paul Alexander é uma delas, e a sua história serve como um poderoso lembrete da importância da vacinação e do impacto que a poliomielite teve e pode ter na vida das pessoas.

Nessas horas, lembre-se do Zé Gotinha e sua gota salvadora, que pode evitar que seu filho seja o próximo "Homem do pulmão de ferro".

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Zuckerberg, Musk. Enquanto constroem seus bunkers, bilionários estão destruindo o planeta

Enquanto estamos por aqui, esturricando no calor ou perdendo tudo em enchentes, os bilionários constroem bunkers, onde poderão se refugiar em caso de um colapso total do planeta, que, segundo estudos, não está longe de acontecer.

Mas não apenas os bilionários. Seguindo a moda deles, milionários também estão construindo os seus (logo vamos saber de um Zé, que se entocou num poço...), como mostra a imagem que ilustra esta postagem.

Parece um cemitério, mas é um, digamos, condomínio de bunkers, do The Vivos (muito vivos) Group, empresa que constrói bunkers de luxo a partir de antigos abrigos antiaéreos. Nada que chegue perto ao projeto bilionário e secreto que Zuckerberg está construindo no Havaí.

Elon Musk, mais radical, planeja um condomínio em Marte, onde espera levar os primeiros humanos até o final da década. 

Com o preço das viagens espaciais (alguns bilionários pagam algumas dezenas de milhões de dólares para dar um pequeno passeio no espaço), dá para imaginar que uma colonização de Marte servirá apenas como resort espacial de luxo para os ultrabilionários, que assistirão do espaço à destruição do planeta. Causada em sua maioria pelo consumo deles.

É o que mostra pesquisa recente: os ricos estão queimando o planeta. Quanto mais ricos, mais queimam.  

Uma análise da Oxfam em parceria com o Stockholm Environment Institute revelou o seguinte:

  • As emissões per capita de alguém que faz parte do 1% mais rico são 100 vezes maiores do que as de alguém que faz parte dos 50% mais pobres e 35 vezes maiores do que a meta estabelecida para 2030.
  • Desde 1990, os 5% mais ricos foram responsáveis por mais de um terço do crescimento das emissões totais. Os 1% mais ricos foram responsáveis por mais do que toda a metade mais pobre da população.
  • Para cerca de 20% da população humana – principalmente a classe trabalhadora e de baixa renda nos países ricos – as emissões per capita realmente diminuíram de 1990 a 2015.

Ou seja, nós estamos fazendo nossa parte, enquanto eles seguem poluindo e destruindo.

Um estudo que analisou as emissões de vinte dos bilionários mais ricos do mundo descobriu que cada um deles emitiu, em média, oito mil toneladas de dióxido de carbono.

Em comparação, o cidadão médio de um país rico emite cerca de seis toneladas — e a quantidade necessária para atingir a meta de segurança global de 1,5 grau Celsius é um pouco mais de duas toneladas por pessoa. Uma nova análise dos voos em jatos particulares dos super-ricos também revelou que celebridades e bilionários emitem mais carbono em minutos do que pessoas comuns em um ano.


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Zinho. Chefe da milícia se entregou para não ter mesmo fim do miliciano protegido dos Bolsonaros

Por que o miliciano mais poderoso e procurado do Rio, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, chefe da maior milícia da cidade, se entregou à Polícia Federal? 

Por que o homem que há pouco tempo, em protesto pela morte de seu sobrinho (que ele pretendia que fosse seu sucessor no comando da milícia) mandou incendiar 35 ônibus e até uma estação de trens no Rio, resolveu depor as armas sem disparar um tiro?

A resposta pode vir da época em que ele começou a negociar sua rendição: a mesma em que uma operação da PF prendeu alguns de seus principais assessores e quebrou sigilos fiscal, bancário e telemático da deputada Lucinha Lins, apontada como o braço da milícia na Alerj, Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro.

A ligação das milícias com políticos no Rio de Janeiro é antiga. Prova disso é a família Bolsonaro, que sempre elogiou e homenageou com altas comendas do Estado alguns milicianos, entre eles o notório chefe do chamado Escritório do Crime, maior matador do Rio de Janeiro, Adriano da Nóbrega, morto numa queima de arquivo na Bahia.

Aliás, nesse protegido da família Bolsonaro está a explicação de Zinho ter preferido negociar sua rendição com a Polícia Federal. Seus irmãos, que o antecederam no comando da maior milícia da Zona Oeste (logo, maior milícia do Rio, pois a zona Oeste tem 42% da população do município do Rio), foram mortos pela Polícia Civil.

Zinho, como Adriano da Nóbrega, que sabia muito sobre vários assuntos, inclusive o assassinato de Marielle Franco, é um arquivo vivo, logo, uma bomba ambulante para a promiscuidade entre milícia e políticos, de que a deputada Lucinha Lins é apenas um dos membros.

Além disso, antes de herdar o comando da milícia com a morte do irmão, Zinho era o homem do financeiro, aquele que distribuía e lavava o dinheiro — o arrecadado e o usado para comprar apoio ou eleições.

A lavagem de dinheiro das milícias envolve empresas, postos de gasolina, restaurantes e... igrejas. E envolve também o pagamento de crimes de encomenda, como o assassinato de Marielle Franco, ao que tudo indica, comandado por gente da zona Oeste.

Por isso o ministro da Justiça Flavio Dino anunciou que estava próximo o esclarecimento do mandante do assassinato de Marielle Franco, em que morreu também o motorista Anderson Gomes.

Na cadeia, vivo, Zinho tem muito a falar, numa provável delação premiada. Por isso o queriam morto, como Adriano da Nóbrega.


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Issa Aswad e um flagrante de Natal em Gaza


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Natal com Fernando Pessoa, Alberto Caeiro e Maria Bethânia

Um encontro do poeta português Fernando Pessoa com seu heterônimo Alberto Caeiro e nossa Maria Bethânia interpretando uma versão reduzida do poema de Caeiro.

Fernando Pessoa, ele mesmo

Natal... Na província neva

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

 

Alberto Caeiro 

 

VIII - Num meio-dia de fim de Primavera


Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

 
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas —
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

 
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

 
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

 
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

 
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
«Se é que ele as criou, do que duvido.» —
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

 
……

 
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

 
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

 
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

 
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

 
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

 
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

 
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

 
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

 
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

 
……

 
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

 
……

 
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


Maria Bethânia



Leia também:

O menino Jesus é uma criança palestina e um sinal de vitória

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Noite de Natal — por Eduardo Galeano

A imagem que ilustra esta postagem é de um menino palestino, que foi atendido em Gaza. Ele tremia demais, apavorado, como seus olhos mostram, e não havia o que o fizesse parar de tremer. Até que o médico se chegou até ele, acolheu-o, abraçou-o, e ele, aos poucos, parou de tremer.

Instante semelhante a este, em outro local (Manágua e não Gaza), mas com a mesma humanidade, é captado e relatado com a empatia do genial Eduardo Galeano neste texto:

Noite de Natal


Fernando Silva dirige o hospital infantil de Manágua.

Na véspera de Natal, ficou trabalhando até bem tarde. Os fogos já espocavam, e o céu se iluminava com eles, quando decidiu ir para casa. Uma festa o esperava.

Percorreu as salas pela última vez, para ver se tudo estava em ordem, e nisso sentiu que uns passos vinham atrás, com toques de algodão. Voltou-se, e viu um dos pequenos pacientes que caminhava atrás dele. Na penumbra, reconheceu quem era. Era um menino, que ninguém visitava. Fernando reconheceu-lhe o rosto, já marcado pela morte, e aqueles olhos que pediam desculpas ou, quem sabe, licença.

Fernando se aproximou, e o menino deu-lhe a mão.

— Diga a… — soprou-lhe o menino...

— Diga a alguém que eu estou aqui.



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