Bolsonaro, um homem apavorado
A raiva é filha do medo. O raivoso é sempre um ser amedrontado, que
precisa dar vazão à sua ira para se defender daquilo que considera uma
ameaça, daquilo que pode lhe causar perda ou dor. O que Bolsonaro teve
nesta segunda-feira em Guaratinguetá (SP) não foi um ataque de nervos ou
de ira. Foi um ataque de medo diante da nova realidade política que
vinha se desenhando e tomou forma e som no final de semana.
A raiva, ensinam os profissionais da alma humana, é sempre precedida
da irritação. Bolsonaro acordou irritado ontem e começou o dia dando um
coice verbal num caminhoneiro na porta do Alvorada. Apoiador, o sujeito
achou que podia apresentar uma reivindicação.
No sábado ele ouviu o ronco das ruas e teve medo. Cerca de 750 mil
pessoas protestaram em todo o país contra seu governo, pedindo seu
impeachment, exibindo o luto pelas 500 mil mortes, cobrando vacina e
auxílio emergencial. Seu medo aumentou porque desta vez a mídia, e
especialmente duas emissoras de televisão, a Globo e a CNN, não fizeram
como em 29 de maio e mostraram as manifestações. Por isso despejou sua
raiva sobre as repórter da TV Vanguarda, afiliada da Globo. Mas antes da
entrevista ouviu um grito de "genocida".
Quando a repórter abordou o fato de ele ter chegado à cidade sem
máscara, o medo se fez raiva, e a fragilidade trouxe o discurso da
onipotência: "Eu chego como quiser, onde eu quiser, tá certo? Eu cuido
da minha vida. Parem de tocar no assunto. Você quer botar... me bota no
Jornal Nacional agora. Estou sem máscara em Guaratinguetá. Tá feliz
agora? Cê tá feliz agora? Essa Globo é uma merda de imprensa". Mandou a
repórter calar a boca e emendou dizendo que a TV Globo faz um
"jornalismo canalha".
No sábado, depois de mostrar as manifestações, os apresentadores do
Jornal Nacional leram em jogral um duro editorial sobre a marca fatídica
dos 500 mil mortos. Sem mencionar seu nome, o texto o responsabilizou
pelo descalabro sanitário, por ter cometidos muitos e graves erros.
Mas não só as ruas e o tom da mídia, e especialmente o novo tom da TV
Globo, amedrontaram Bolsonaro, fazendo com que sua amígdala cerebral
fizesse jorrar os hormônios que desatam a ira. Ele teme a CPI da Covid,
que avança na demonstração de seus crimes na pandemia. Hoje quem vai
suar frio lá será o deputado Osmar Terra, ao que tudo indica o homem que
convenceu Bolsonaro de que o caminho mais curto e barato o
enfrentamento da pandemia era a contaminação ampla e geral para se
atingir a imunidade coletiva. Não seria preciso parar a economia e nem
gastar com vacinas. E assim, dando maus exemplos e encharcando o país de
cloroquina, chegamos aos 500 mil mortos.
Ele teme também o fracasso indisfarçável de seu governo em todas as
frentes: o desemprego que não cede mesmo com uma pequena reação do PIB,
movida a exportações; a inflação que força o Banco Central a aumentar os
juros; a desmoralização internacional do Brasil; e para completar, a
volta de Lula ao jogo, com as pesquisas indicando que ele o derrotaria
no segundo turno.
Até do Centrão tem medo, porque sabe que o apoio que vem comprando
com verbas secretas e entrega de cargos tem a solidez de uma pedra de
gelo.
É hora de avançar e não de esperar que ele tente o golpe que vive
anunciando. A esquerda puxou o bloco mas para arrancar logo Bolsonaro
do Planalto o movimento "Fora Bolsonaro" precisa se ampliar. Na campanha
das diretas, em 1984, a coordenação era composta por representantes de
diversos partidos e entidades. a Comissão Organizadora dos atos 29M e
19J, que se reúne hoje para discutir os próximos passos, poderia pensar
nisso. Em incorporar aliados mais ao centro, para engrossar o
movimento.
O impeachment deveria agora tornar-se a palavra de ordem central das
manifestações. Em vez do "Fora Bolsonaro", que não traduz medida
concreta, o slogan dos próximos atos devia ser "impeachment já". E os
próceres do Centrão, que o sustentam no cargo, à frente o engavetador
Arthur Lira, deviam ter fotografias expostas nas manifestações. Eles
também vão disputar eleições no ano que vem.
Não vamos nos iludir com a lenda de que será melhor deixar Bolsonaro
sangrando até 2022. Ele já nos avisou que não aceitará resultado algum
senão sua vitória, seja o voto eletrônico ou impresso. Ele já nos avisou
que haverá uma "convulsão" se ele perder. Ele está armando suas
falanges, militares, milicianas e policiais.
Em boa hora, o ministro Luiz Felipe Salomão, corregedor geral da
Justiça Eleitoral, deu 15 dias para Bolsonaro apresentar as provas que
ele diz ter sobre fraudes em 2018, que lhe teriam tirado a vitória em
primeiro turno. Cada mentira que ele conta deveria ser objeto de uma
confrontação por parte das instituições.
Bolsonaro precisa sentir muito medo, e não devemos temer a sua ira.
Um medo parecido com o dos que foram entubados sem saber se voltariam a
viver. Tantos não voltaram, e poderiam estar entre nós se tivessem sido
vacinados a tempo. Por eles, é hora de avançar.